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Mostrando postagens de 2014

Vitrines

E tão rápido quanto os últimos três meses haviam passado, ela se desvencilhou de meus braços e quase num salto saiu da cama. Tinha percebido mas fingi que não, podia estar com sede, uma vontade enorme de fazer as necessidades ou até com fome; afinal essas coisas não tinham hora. Tava quase voltando a dormir quando ouvi uma porta fechando com força. E lá nasceu o medo, de que talvez estivesse ido embora, e quais seriam os porquês? Era eu ruim de cama? Era eu muito apaixonado? Ou era ela a covarde? Dois minutos pensando sozinho e a trama já estava feita, ela já era a vadia que havia partido meu coração. Me levantei fraco já, havia sido uma noite agitada, e segui para o banheiro onde ouvi o som do chuveiro. - Pitxul! Pitxul! Com aquela arminha d'água me acertou o coração.

Esperar não é saber

 Podia ser uma madrugada; pelo sono, pelo frio, pela chuva. Mas era nove da manhã, ainda estava com sono, sentindo frio e ouvindo a chuva.   E nesse mesmo frio e naquela mesma chuva olhava a janela do quintal desde a madrugada do dia anterior, procurava a filha sumida fazendo uma varredura minuciosa pela grama, esperando ver a menina ou dando risada com as amigas ou entrando de fininho com a cara vermelha; mas sabia que se a visse a realidade seria diferente.  Veria a sua pequena capengando pela rua, com a maquiagem borrada, ou até mesmo saindo bamba do carro, como tantas outras que tiveram o mesmo destino.  As olheiras contavam toda a história da preocupação que a havia emudecido, as rugas tinham aumentado mais nesse mês do que nos seus quarenta e cinco anos de história.   Uma última lágrima caiu, e ela finalmente fechou os olhos, cansada. Afinal uma morte é uma tragédia, mas mil já é estatística. 

Cups made of Porcelana

 Nunca fui organizada, mas naquele caderno pequeno velho com cheiro de flor seca havia todas as datas, procurando quando foi que abandonei esse lado que outrora foi importante, esse lado que já me foi como um amante, secreto e luxurioso.  Tentei relembrar as histórias que aqui não foram escritas, aquelas frases-foguetes prestes a serem lançadas...  Mas bateu um trovão de tremer a casa e me distraí num momento onde poderia ter havido poesia.

For the boy of the butterflies

 E respirando fundo, foi-se aos poucos colocando as coisas no baú.  Um caderno de matérias copiado.  Uma escova de dentes esquecida.  Os óculos 3D da estréia do cinema em que encontrei o ex-namorado.   Só não houve espaço para qualquer despedida.  Obrigada Jason, pra você agora vai a minha primeira rima.

lhe acha feio o que não é o espelho

 Já estava de noite. Não deveria ser o último, mas com certeza o penúltimo ou anti-penúltimo. Um menino nessa noite se senta nesse interbairros vazio e desliga o fone de ouvido para contemplar os seus arredores. O chão do ônibus manchado, os canos amarelos para que os passageiros em pé não caiam... Tudo estava nos conformes. O quê é estranho, meia noite nos ônibus, as coisas não deviam estar nos conformes. Olhou em volta de novo, tentando descobrir o que não estava naquele mundo tão ordinário.  Havia uma garota com maquiagem sentada na janela, sentada olhando para o terminal que logo ficou para trás quando o ônibus saiu, somente os olhos acompanhavam enquanto a cabeça não fazia o mesmo esforço, em alguns segundos a cena sairia de alcance daqueles olhos que brilhavam por uma lágrima que temia cair.  Atrás dela, havia uma senhora. A barriga murcha e flácida, comia quase que escondido um pacotes de salgadinhos baratos, da sacola de compras pendia uma nota fiscal enorme. Provavelmente

Porque vamos terminar a garrafa - brincar de saudades

Ela deita no travesseiro macio com o perfume dele. Mesmo após um dia juntos ela telefona. Sete meses se ligando já. - Sabe, não quero muita coisa além de nós dois não. - Sonha um pouco mais alto, não sou lá essas coisas. Ela finge que pensa. - Um labrador, pode ser? Cachorro enorme. - Num apartamento fica difícil. - Pois é, imagina que chato seria se tudo fosse fácil.

Ao te ver pelo salão[...] voltei correndo ao nosso lar

  "Essa é sobre o seu sorriso" , não dá. Alguém já usou. E além do mais sorriso de aparelho não rola muita história bonita. Lábio acaba sendo arranhado de vez em quando.  Seus olhos... Seus olhos...  Olhos de mar, ainda não decidi se verdes ou azuis. Serenos e estáveis, como o próprio oceano... Mas que me abstraem de mim mesma na ressaca...   Isso já é Machado de Assis, e Chico.  Talvez fosse mais fácil se não tanta gente não tivesse dito "eu te amo" de maneira mais bonita que a minha.   Fecho o caderno e observo o maço de cigarros fechado em cima da escrivaninha. Não os abri em três meses não seria agora que o faria. Talvez devesse subir e me deitar, observando os mesmos olhos só que fechados dessa vez.  Pra quem minto? Muita cafeína para uma noite só. Sento-me na frente do mesmo caderno e escrevo todas as músicas, acabando com as folhas do mesmo.   Desisto de tudo, é meu ano sabático, porém consegui ainda jogar o maço fora. 

A canção Lindíssima de Tom Jobim, e eu tinha que fazer a letra mais ou menos em fevereiro ou março.

 Por muito tempo ela pensou naquele primeiro beijo. Tinham terminado há tempos. Chorou por algum tempo, pensando em todos os motivos que poderiam ter tido para poder continuado.  "Só não deu certo" uma amiga em comum dos dois disse. Ela chorou porque sabia que era mentira. Havia dado certo, bem até demais, mas aquele beijo transcendeu o término, mas tudo bem, ela já não chorava pelo término. Nem pelo beijo. Talvez pelo tempo perdido, mas não estava mais afim de Legião Urbana.  Botou um chapéu e se fingiu de inglesa. Havia sol, mas as abas de tecido grosso protegiam o seu rosto dos raios que poderiam vir a lhe dar rugas, mudou de ideia e largou o chapéu no cabide ao lado da porta antes de sair, ainda era nova demais pra pensar nessas coisas.  Morte, morte, morte... Qual a obsessão da humanidade com a morte? Não há nada melhor como viver por exemplo?  - A vida é um amontoado de lembranças tristes que tentamos transformar em boas. - Um idoso na fila do mercado havia lhe dito

Sopa Asteca

 - Para o inferno com a Europa! Vou-me pro México.  - Para o inferno com a Europa, vou-me pro próprio quer dizer.  - Não. Digo que sempre preferi o calor e adoraria poder ver o pacífico num dia e o atlântico noutro.  - Mas isso já não é outro país? Deixe seus sonhos intelectuais para trás e seja realista.   - Nunca. Se algum dia eu sonhar para ser realista me mato.   - Então é agora que você assume que seus ideais são utopistas?  - Ah! É essa a declaração que você tanto queria. Desde o começo você quer ouvir isso...  - Assumo, te acho um tanto quanto ingênua. Mas mais me preocupo do que critico.   - Então deve se preocupar o mundo.   - Pare, não me coloque desse jeito.  - Sem ironias, agradeço a preocupação. Ainda sem sarcasmo. Vou para o México.  - Terra perdida, vai fazer o que lá?  - Conhecer, me apaixonar, quem sabe até morar lá? Nunca se sabe o mundo. Além do mais, terra do tango, da paella, de Frida Kahlo, Marini.  - Marini é braseileiro, você sabe diss

onde queres tortura, mansidão [...]

 - Você sabe né? Hoje é um daqueles dias em que você poderia ter me pedido desculpas e perdeu a oportunidade.  Uma risada simpática escondeu o amarguramento do menino, mas ter retirado uma reação sequer já era uma vitória. Ela deveria ter se arrependido daquele comentário, mas toda moça amargurada precisa de sua vingança, não quer dizer necessariamente que ela mereça.  - Me desculpe por não ter assumido os seus erros então. - Ele somente traga a bebida amarga como se fosse veneno.  Não responde. Não pela falta de respostas, era quase um ano planejando aquele reencontro e por isso mesmo não iria permitir que acabasse tão cedo. Sabia que tinha apenas algumas horas, afinal ele não aguentaria por mais muito tempo. E é difícil reencontrar velhos amigos sem abordar temas incômodos.  - Não me lembro de te ver bebendo. Bom te ver mais relaxado.  Não foi um sorriso a resposta, parecia mais uma letra garranchada em forma de expressão facial. Enquanto ela pensava em algum tópico, ele bebia m

Fotografia

 Não consegui ficar sozinho. Não sei se foi de propósito, mas naquilo tudo, na rede de abraços e cobertores ela me prendeu. Saí trêmulo da cama que já havia doze dias estava vazia, mas essa foi a primeira vez que me dispus a dormir e acordar aqui. Mãe já encheu o saco " eu que não vou criar marmanjo depois de adulto " e então pra cá voltei. E saí da cama de vez.  Não tinha pão. Não estava mais habituado a fazer as compras, e num domingo então... Fiz ovo mexido; não tenho a destreza que ela tinha de virar o omelete.  E o complexo processo começou; havia me esquecido como se cozinhava antes dela. Nunca entendi isso, a dependência que uma pessoa desenvolve em você em tão pouco tempo, destruiu os 24 anos que fui criado para me virar em apenas um e meio.   A manteiga começou a cheirar e coloquei os dois ovos e uma pitada de sal. Estranho fazer isso sem a voz risonha mandando tomar cuidado. Ou me chamando atenção quando forma uma película na panela, impedindo que o ovo ficas

In verbis

 A chuva caía serena em mais uma noite de outono. Ventava somente o suficiente para a chuva ser horizontal; mas nada que fizesse o vento assoviar. Uma menina bonita demais para ser pobre se senta sob o toldo da entrada de um prédio já condenado.  Um hotel antigo agora já ocupado por quem não tinha dinheiro o suficiente para correr atrás de seus próprios sonhos. Seus inquilinos se dividiam entre boêmios, poetas, mendigos, travestis (alguns mendigos travestis) e ela.  Estava frio, ela vestia um moletom grande mas nada nas pernas. Pernas bonitas, sem marcas ou hematomas, como era comum das damas que ficavam até essa hora da noite. Resultado de muitos minutos passando hidratante talvez, afinal elas ainda reluziam sobre a luz crepitante.  Havia tempos que eu a observava. Ela sempre soube. É uma região pequena, difícil de não perceber as coisas. Conversávamos as vezes na fila do banco ou quando nos esbarrávamos. Não sabia seu nome de verdade, mas ela gostava de se chamar de Mary Anne. Ach

Porque Vamos Terminar a garrafa - histórias não lidas

 Acordou cedo demais. Não precisou ver o relógio para saber que havia dormido pouco, se remexeu muito na cama, mas o sono cismou em abandona-la.   Saiu da cama, cambaleou no escuro até achar o interruptor.  - Merda!   Era um prego ao invés do botão mágico que acende a luz. Decidiu sair do quarto escuro pra ver se já tinha alguma luz no mundo.   E o sol nascia. O céu estava alaranjado igual ao começo de Rei Leão, e a menina perdoou a sua própria vontade de voltar a dormir; diluiu o café solúvel no leite quente em sua caneca nova que ganhara de presente e ligou o rádio ao invés de escolher as músicas.   Tocaram músicas desconhecidas, músicas que ela jurou nunca mais ouvir de novo e canções que a lembravam de alguém que sabia que nunca iria esquecer. Cantou sozinha um pouco, mas com cuidado pra ninguém ouvir, saberia que ouviria bronca.   Subiu para o quarto, derrubando o leite na escada. Esquentou demais.  Olhou para o telefone portátil, riu baixo e pensou em acordar um ce

(debaixo de uma sacada)

 Não havia nada de especial naquela manhã. Estava nublada e garoava, toda a cidade parecia se perder no meio da neblina. Os topos dos prédios mais altos desapareciam naquela paisagem gélida, cujo qualquer suspense teria uma cena. Isso não impediu Anderson de comprar pela primeira vez em muito tempo um buquê de rosas. Ele não sentiu a vontade de comprar aquele buquê, estava cansado; havia dormido mal, se irritado mas foi. Era aniversário de casamento.  Por mais que achasse aquela convenção social uma besteira (mais parecia comemorar o fato de que ainda estavam juntos) não conseguiu não sorrir ao se lembrar do começo. Das longas horas debatendo literatura, ou os vários momentos rindo enquanto fumavam após fazerem amor.   Mas agora ambos faziam cooper , ele achava aquela falsa intelectualidade supérflua e ela virou vaidosa.  Não era que ele não gostava de Rosa, mulher bonita, conservada pelas horas de academia e vários mls de silicone e outras formas liquidas variadas da resina; co

Porque vamos terminar a garrafa - As Horas

 O mundo será salvo pelos escritores. Não os pesquisadores apenas, mas principalmente a literatura. Aqueles que estão em tamanha agonia tentando capturar todos os momentos e as sensações do mundo que completamente se esquecem de si mesmos. As criaturas que sonham com a marginalidade somente para serem esquecidas, principalmente por si mesmos.  Ou será o oposto? Será que no fim das contas a literatura, como a poesia (principalmente a poesia, está para nascer algo mais prepotente e narcisista que o eu-lírico ) é somente o suspiro agoniado de um ser que se sente esquecido. De um ser que anseia para sair da margem, tentando se exibir, mas de maneira sutil e discreta, não como um pavão, mas sim com a sutileza da hipocrisia e falsa modéstia.  Mas, e se por essa mesma raça desgraçada o mundo for destruído? No meio de tanta agonia e de sentimentos expressos; um lugar onde até poltronas conseguem possuir uma história. Utopia para uns, perdição para vários.  Ninguém além desses mesmos estão d

49 (mais 17) músicas

 E foi muito devagar. Ele apareceu do nada, com calma; me olhando discreto mas tomando todo o cuidado para eu perceber. Me beijou tranquilo, dando tempo para eu me apaixonar, e nos caminhos da universidade ele sempre deu um jeito de me encontrar.  O que era pra ser fácil e tranquilo se mostrou no começo confuso. Ficava a noite inteira em claro, com os pés pra cima apoiados na parede e a cabeça pendurada pra baixo na cama. Foram três semanas relembrando todas as feridas. As causadas e sofridas.  Na quarta semana a vida ficou tranquila, pisquei um dia e deitei no colo. Cabeça descansando naquele peito, como uma canção de Buarque. Ouvi falar tantas vezes que era feio, tinha que saber se comportar, mas não parecia errado. Fechei os olhos e os abri, re-lembrando das mágoas.   Teve um dia que quase saí para matar e evitar todas, aconteceram, o que as impedia de voltarem? Sentar no balcão sujo de um bar e sumir pelo final de semana, quem sabe mandaria a mensagem?  Mas com a mesma cal

Porque vamos terminar a garrafa - Bebendo aos poucos.

 Se despediu no tubo do biarticulado, com o a sombra do sorriso dele na boca. Era uma caminhada de meia hora até sua casa, seria cinco minutos de ônibus; mas deu a volta e levou uma hora e quinze minutos. A rua estava quieta, o dia estava escuro às cinco da tarde, mas a vida estava com muita delicadeza para ter medo.   Reparou nas casas bonitas que havia na ciclovia, e pela primeira vez realmente sentou e encarou o muro grafitado que havia perto do museu e nos casais que preenchiam a praça.  Uma garota de meia calça rasgada vestindo a camisa de um garoto que agora só usava uma regata. Outro par, não tão bonito quanto o primeiro, dando risada e tocando violão; ainda tinha o menino feio sentado num canto com um caderno amassado e com páginas ressecadas como se houvessem sido encharcadas.  "talvez ele o tenha jogado numa poça d'água num momento de revolta, mas se arrependeu" e ela compreendia aquele arrependimento.   Entrou no bosque, sabia que não devia, não àquel

Desatinou-se

 Num canto da cidade ela passava o batom escuro e colocava os brincos de argola; pensava no que ia fazer, ainda estava indecisa entre uma cerveja ou uma dança. Trocou a calça de couro por uma saia rodada e foi para o samba.   Em outro lugar ele ligava para Rose, perguntando de Marina, se ia para o centro ou outro lugar.   - Vai pro Palco, mas a namorada é tua, tu não devia saber?  Riu da ironia, bebeu um trago e saiu em busca.  Ela dançava com um mulato que naqueles quadris se enlaçava, ela olhava para cima dando risada e mostrando o rebolado pra quem quisesse pudesse olhar; tirou o chapéu branco de faixa vermelha da careca morena e vestiu-o.   Acabou o samba.  - Mais um! - Ela berrou. Então finalmente o encarou. O menino havia quebrado o acordo.  Quinze dias sem se ver para ela decidir foi o combinado. Ela falou, ele concordou. Ele não cumpriu.  Benedito cheirava o pescoço de quem falou que se chamava Laura. Morena bonita, dançava como deusa, pernas longas e ria e sor

A rainha dos lazarentos

Havia um negro sentado num canto escuro do ônibus. Homem corpulento, de olho esbugalhado e dentes amarelos. A janela que uma madame (provavelmente pegando o ônibus para fazer alguma espécie de aventura) respingava a gélida garoa Curitibana no rosto do pobre carpinteiro, esse por sua vez encarava o chão da Padre Agostinho e como ele ficava embaçado pela velocidade do ligeirinho. - Com licença,  senhora.  - uma voz doce pediu - Está realmente muito frio. Se incomodaria de fechar a janela? - Imagine meu bem. Nem percebi que estava incomodando. E dos 24 lugares vazios que havia no ônibus,  ela se senta naquele canto escuro no fundo. Cheirava à fruta vermelha e anis e lia um livro. O inclinava um pouco para a esquerda,  para que o passageiro ao seu lado pudesse ler algo e atiçar a curiosidade. Funcionou. - Sobre o que é esse livro moça? - Sobre o retrato de um rei e um casal na guerra dos Emboabas. - História da minha terra. Os olhos azuis maquiados sorriem para ele. - É de Minas?

Senti a sua falta José (Cuervo); ou Griottines Azedas

 A meia hora que levei para decidir se iria embora, ou te esperaria acordar foi torturante. Passei um café no filtro, pois partir sem deixar uma lembrança é maldade. Ainda seria pelo menos uma semana longe, isso se um de nós não mudasse de ideia.   A chaleira apitou e o apartamento inteiro ecoou. Nas pontas dos pés fui confirmar o seu sono. O coração batia acelerado naquele lar que não pertencia à mim. A nuca arrepiada com os pés descalços no azulejo, mas quieta eu estava. E você, peregrino, não estava lá.  Voltei sorrateira, já com a minha calça pendurada nos braços e a sapatilha na mão; e no corredor você sai da porta do banheiro, com os mesmos olhos esperançosos e calmos da noite passada.   - Eu posso fingir que não te vi e te deixar ir embora.  Te beijo a nuca, roubo-lhe uma xícara e vou-me mundo a fora.

Me sorriu um sorriso pontual e me beijou com a boca de menta.

Naquele momento ele cobiçou a própria mulher. Um beijo que nenhum deles esperava que ocorresse daquela maneira foi um novo desejo despertado. Com suavidade ele roubou daqueles lábios para eles tão corriqueiros uma nova sensação. O beijo tão sempre sincronizado mudou-se. Foi desengonçado, um beijo que o primeiro beijo devia ter sido, parecia ser o último.  Ela somente riu e foi para a ducha quente. Uma ducha íntima que ele não fora convidado. Só podia observar distante, pela fresta da porta. Viu os cabelos longos aos poucos se molharem e a ouviu cantando. Era como um sátiro observando uma ninfa. Naquele momento nada mais era sagrado. Somente ela.  Somente se esqueceu por dois segundos em como esqueceria daquele momento de noite, quando fosse virar para o lado na hora de dormir sem desejar bons sonhos ou dar um beijo. Ninguém tem mais tempo para fantasias uma vez que cresce. Deixaremos isso para os adolescentes.

As mentiras do profeta

Tomava vinho em uma caneca de leite na noite fria e serena. Havia o notebook em sua frente e pensava como iria desenvolver o conto à seguir; se falaria sobre o primeiro amor ou o segundo. Quem sabe até o atual? O professor que tivera um caso obscuro. E então escreve, mas sobre nenhum dos três. Escreve sobre uma mulher que concedeu o perdão, que abriu os braços para o marido bêbado que na embriaguez soluçava perdão pela amante. Iria enviar para a editora. Seria publicada, era de um amigo íntimo dela. Mas ainda assim hesitou ao mandar o email. Em oito anos de carreira nunca tinha hesitado ao mandar um email. Não sabia escrever sobre o que não havia passado. Isso a agonizou. Era uma primeira vez. Teve a mesma sensação de culpa e ansiedade quando mentiu para a mãe pela primeira vez, ou para as amigas de infância sobre o namoradinho. Se havia mentido tantas vezes porque não dessa? Porque essa seria para si mesma. - Está aprendendo Clarice. - riu para si mesma.  - quase me conve

Um presente para as noites gélidas

 Algo de estranho acontece com as meninas quando elas aceitam a  ideia de ter um amor não-correspondido.  Elas viram mulheres.   Já era quase cinco e meia da tarde, e estava escuro como se fosse uma madrugada. Tudo parecia uma madrugada naquela cidade invernal que parecia ter saído de um livro de ficção, aqueles com temática noir, onde sempre se chovia, era frio e sinistro. Mas nada disso impede uma menina apaixonada.   O vento gelado machucava o rosto, os pés, por mais que secos pareciam úmidos e gelados, quase como se fossem gangrenar ou apenas cair. A pele frágil como papel, ressecada, prestes à partir. Mas continuava. Kept on Goin.  Era só um boato, as chances eram pequenas, mas tinha que confirmar. Os olhos, verdes, pareciam negros por causa de toda aquela maquiagem borrada. Ela sabia, os boatos eram verdadeiros.  Ele disse tudo. Primeiro que não significava nada, depois que era culpa dele, então que era a dela. Mas mulher nenhuma precisa virar um mártir para sab

Samba para o com nome de poeta

 Tinham dois olhos que encaravam a minha nuca. Eu sabia deles, sabia que queria encará-los mas ainda não tinha a coragem de tirar o rosto do travesseiro. Encarando aqueles olhos mornos eu teria que responder várias perguntas, perguntas que eu tinha medo e perguntas que tinha vergonha da resposta.  Tomei um trago da pouca coragem que a nudez ainda não tinha levado embora, me protegi escondendo-me debaixo daqueles cobertores não-tão-desconhecidos; sou desarmada com um abraço repentino, e tendo momentos em que só se percebe, que não importa a pergunta, mas é que nem aquela música da Rita Lee que já foi dos Beatles. Ou quem sabe aquela do Caetano? Provavelmente vou acabar me perdendo em Chico, afinal a semelhança é enorme.  Mas no fim, é apenas um Sim.

O amargo da tua boca ainda supera o doce da minha

 Pela primeira vez vi ela acordar. O emaranhado dos cabelos emoldurava o amassado da cara de ressaca. O ronco baixinho de criança e os seios roçando a face. No começo da noite ela tinha se encolhido no meu colo, pelas três da manhã a cabeça estava no meu colo, e agora já estava mais distante, deitada sobre o próprio braço. Abriu os olhos e me cumprimentou com um beijo de boca amarga.  - Quis uma namorada e arranjou outra criança. - Ela ri e vai para o meu banheiro, já sabendo onde fica a pasta de dentes, no meio do trajeto rouba a minha camisa do chão.  Fecho os olhos de novo, ainda era muito cedo para acordar. Não que isso fosse impedi-lá. Me morde com a boca de hortelã.  - Você sabe não é? Minha sede de ti é diretamente ligada à bebedeira de ontem a noite. - Prometo nunca mais deixá-lá sóbria se fosse o caso.  E o dia inteiro passa num bocejo. Ela me dá uma rotina de doze horas baseada em músicas, promessas que não sei se serão cumpridas e a vida re-começa no dia seguinte.

Porque vamos terminar a garrafa - rosas não cliched

 - Eu me assusto com facilidade, por favor não se assuste.  - Não entendo essas coisas de mulher mas sou paciente.  - Ninguém é tão paciente assim.  - Posso tentar.  - E se não dermos certo?  - A vida continua.  - E se dermos certo? Isso assusta ainda mais.  - A vida continua continuando. Só isso?  - Só isso.

A bêbada e o Equilibrista

 Pagava a penitência do meu coração caminhando de bar em bar, porém toda a estrada era feita de cacos de vidro e o dinheiro dos calçados tinham ido embora junto com a vodca barata. Era como assistir o filme da minha vida, todo o romance se entrelaçando e se apertando num nó que não desatava, somente estourou no final. E nem tive a dignidade de segurar as pontas. Mas essa é a vida de dar murro em ponta de faca. Se apaixonar pela mulher do melhor amigo, querer um emprego que paga o suficiente para ser bandido.  Quase uma pária, mas com todos os perdidos, de vez em quando um anjo descia.   - Oh, meu Roberto, meu nômade favorito. Me diga, porque tanto me amaldiçoa.   - Ah noite, noite minha, noite da lua, dona do bordel. - Rio seco. - Juro que não é de propósito, mas você me desperta a melancolia.   Nos finais de semana, a noite é a ruiva ardente de vestido brilhante; segundas, quintas, sextas e terças a dona do bordel de blazer e salto alto. Nas quartas feiras tirava folga e ves

Mucambo Cafundó

 Uma luz se acendeu no prédio em frente ao meu. Na realidade estava na lateral do edifício, mas na frente da minha janela. Uma loira de olhos verdes chora para a rua. Não sei se ela pretendia ter algum espectador, mas a partir daquele momento me teve. Em duas semanas já aprendi os hábitos dela.  Até que em uma sexta-feira eu sentei no meu parapeito e acendi o meu primeiro cigarro em dez anos, ela olhou para a frente, diferente dos outros dias que somente olhava para a rua, e me deu um sorriso de presente, para que ninguém fale que eu roubei. Devia ter uma saúde de ferro, pois desde então começou a dormir de janela aberta.  Tomávamos café-da-manhã junto, um rindo para o outro. Eu trabalhava antes dela, saía as oito da manhã e em uma quarta ela desceu o prédio dela e me deu um beijo de despedida.  - Volte logo, meu amor.  E subi direto para o apartamento dela. Quarto andar, número 42. Uma banda de rock meio manjada tocava enquanto ela fazia a janta.  - Nickelback?  - Uhum. - Ela

Chelsea St Nº 2

 A cretina manipulava ele como dava.  - Tem certeza que vai dar certo?  - Claro benzinho, você é o chefe. - Abraçava ele por trás, acariciava o peito do velho tarado. E então sussurrou algo no ouvido dele enquanto me olhava. Aqueles olhos de quem aguenta a tequila e a noitada por seguir, os olhos de piranha.  Ela então pegou os duzentos reais e saiu, vestiu o casaco branco por cima do vestido branco e me esperava na frente do hotel com o cigarro já aceso. A chuva caia e parecia se desviar dela, como um feixe de luz; e ela me viu e sorriu, e por dois segundos deixei a guarda baixar. Mas me recompus ao voltar para ela, não estou na Sicília mas as mulheres sempre serão mais perigosas que armas.  - Noite agradável, não?  - Claro, se você gosta de frio e chuva.  Estranho que não consigo imaginá-la de dia. Em dois anos que a conheço, nunca a vi de dia. Todas as vezes que acordei do lado dela ainda era madrugada e eram cinco da manhã quando ela pegava o táxi.  - Você sabe que v

Tired of all about the blues

 Ele queria ser o meu homem. Eu não deixei e me arrependi.  Sabia que estava bonita naquela noite, o vestido rodado, o cabelo arrumado para cima; os doze adolescentes de sempre me disseram que foi a minha melhor performance e me falaram para lançar um álbum. Deve ser verdade aquilo que dizem sobre como a desgraça melhora as artes. Aconteceu isso com Van Gogh, Kurt Cobain, por que eu não poderia ser a próxima?  Porque a vida é mais do que um sonho adolescente, por mais que eu me esforçasse para ser. Pagava caro em um apartamento pequeno com uma claraboia na rua Riachuelo, perto do Largo da Ordem, antes de tudo eu dividia ele com uma namorada, mas ela foi embora e eu fiquei sozinha por um tempo. Até ter me entediado e arranjado outra companhia, depois outra e outra e todos viram números.  Como toda garota perdida, fugi para o colo da minha mãe. Meus pais moravam no interior na época, cidade pequena, mil habitantes, lugar agradável e fácil demais de se perder.  E naquela pequena

Homônimo

 O beiço dela trava tremendo, não culpo ela. Por mais que nunca a tenha pedido em namoro, éramos namorados; ela dava em cima de alguns caras quando eu estava olhando, somente para me deixar em meu lugar, mas eu fazia coisa pior quando ela piscava. Eu realmente acreditava que a vida seria mais fácil sem uma esposa. Mas deixar uma mulher grávida e sozinha por cinco anos não é algo que ela perdoe.  - Você não mudou nada. - Tento elogiar.  - Pois é, aceitei esse encontro. Jurava que iria aprender com o tempo.  Ela não tinha mudado mesmo. Os cabelos estavam mais longos, mas somente isso. Ainda tinha os olhos de menina.   - Ainda fuma?  - Com frequência. Pode acender se quiser.  Acendo dois Marlboros  e entrego um pra ela. Ela se relaxa.  - Como vai a vida?  - Bem, continuo sozinha, não tive nenhum outro homem sério se é o que quer saber.  E era.   - Sozinha com o garoto?  - Nunca cheguei a ter o bebê. Admito que foi provocação. Sabe, eu tinha aquela ilusão que no mome

Os tragos dos Blues

 - Ele já disse que te ama?  - Já. - Menti.  - E você?  - Também. Por que?  - Pra saber qual dos dois mentiram.   - Ah, por favor, não vá me dizer que você é desses que acredita que o amor é uma farsa.  - Sinceramente, eu sou. Cazuza me iludiu demais.  - Amor é mais que corações partidos e músicas melosas.  - Ah, nunca cheguei a parte confortável, já estava de ressaca na noite seguinte. 

E tudo ficou amarelo

 Quando o final feliz é a partida dele você começa a repensar alguns momentos. Como quando começou a ser assim? Há uns 3 namorados atrás. Mas acho que é sempre assim com garotos, começam como paixões, depois se transformam em boas companhias e no fim somente tapa-buracos. Aqueles que você chama de "amor" porque somente se esqueceu do nome. Maldade demais? Talvez. Mas umas três decepções amorosas justificam tudo isso.  Tem alguns que vão embora antes de eu acordar, são os mais fáceis e que duram menos. Tem outros que simplesmente não durmo com, esses duram entre uma semana e um mês. E tem os que dormem comigo; me abraçam e me acordam com beijo na testa. Odeio esses, me fazem querer pedir para eles ficarem por mais tempo, me dão vontade de pedir um abraço e de contar as mesmas mentiras e as mesmas histórias, porém como todos eles me beijam na testa e me chamam de "anjo" acho que é uma trapaça válida. 

O sumiço de Eleanor Rigby

 A bagunça era inacreditável, porém mostrava os passos, medi tudo aquilo com uma precisão fria antes de ser tomada pelo nojo. Entrou pela porta da cozinha, revirou minha gaveta de remédios; subiu para o meu quarto, abriu meu guarda-roupa e levou algumas calcinhas, foi no meu escritório e embora levou minha aliança. Nem se quer liguei para a polícia, só mandei as crianças passarem as férias com a vó, o que quer que ele quisesse ele teria.  Me sentei no sofá pelo resto daquele dia, o uísque velho e a água de coco, as cartas estavam todas na minha bolsa esperando por ele. Assim como outras coisas. Dormi esperando ele, acordei com a bolsa revirada caída no chão e o pescoço úmido de saliva. Tinha uma rosa no sofá, em 3 anos de casamento ele nunca havia me dado flores, mas acho que nunca é tarde demais para re-começar.  Arrumei a sala inteira, procurando por alguma espécie de carta ou bilhete. Algo que explicasse o objetivo dele, provavelmente não seriam os meninos; nunca vou entender como

Porque vamos terminar a garrafa - Bah, Tchê!

 Desligo o gravador quando vou cantar sobre você. São juras íntimas e discretas demais para as pessoas saberem; uma espécie de blues sereno que acho que te combina, um contrabaixo bem colocado e uma guitarra com os solos nem se quer comento a letra. Me imagino como a Julia Roberts cantando isso para você, talvez um vestido longo. Mentira, são só as coisas que ficam na minha mente na hora de dormir mesmo.

Carioca ao vivo

 Andava descalça na calçada afirmando que tinha tomado a anti-tetânica há menos de dois anos. O calçadão de Copacabana nunca era vazio, mas as pessoas pareciam abrir caminho para que ela passasse, agradecia e dava risada; se contrastava na multidão pela sua pele branca e o enorme chapéu de palha que usava. Se apresentava como Amanda em um restaurante, Letícia num bar e volta e meia me chamava de William na frente de desconhecidos. Flertava com eles e me dava risada, piscando o olho.  Me lembro de quando a gente se conheceu, no mesmo boteco de sempre; eu comia açaí com flocos de tapioca e ela suco de manga eu mandava porções de azeitona de vez em quando e ela me devolvia com continhos de fada em guardanapos. Depois de uma semana (somente nos encontrávamos nas segunda e quinta feiras) ela se senta do meu lado.   - E agora que me chamou a atenção, qual o seu plano?  - Não sei, não esperava que respondesse.  - Te mandei bilhetes o suficiente para você saber que me interessei, não

Toco o meu baixo em (com) dó

 Um beijo de cinquenta reais é a minha despedida. Não sabia que era tão caro até descobrir que ela usava um batom de marca, gostava daquele sabor sútil de canela, ele ficou durante dois encontros na memória, no terceiro acabei indo para o apartamento e vi o batom rubro na cabeceira. Chanel, sofisticado.  Dormia com a boca aberta, feito criança. Ainda estava escuro quando acordei e ela ainda adormecida, virei para o lado e peguei no sono de novo. Dez da manhã ela me cutucou.  - Vai passar o dia aqui?  - Se não for incômodo.  Assa duas coxas e sobrecoxas de frango para o almoço; conversamos sobre música e filmes por horas a fio, ela me fez lavar a louça e a roupa. Nem percebi quando tinha uma mala lá com as minhas coisas na gaveta dela. Ouvíamos Engenheiros e tocávamos Bob Dylan de noite. Me teve como dela e nem se quer a dignidade de avisar.

Amor de contos de Verão

Cantava Cartola ao romper da manhã enquanto fazia a mala, tinha uma maleta daquelas quadradas que carregava em todos os cantos, atrapalhava, levar a bagagem em uma mão e o violão na outra, mas era tudo pela cena, se tivesse alguém a filmando ela poderia ser a nova protagonista de um projeto do Selton Mello. Foi a pé até a saída para a rodovia e quase que deu meia volta para se despedir de uma pessoa querida, mas a vida é feita de coincidências, e recebe uma ligação. - Onde você tá? - Tô indo oras bolas. - Sem mim? A gente prometeu. - Não, eu prometi para o garoto que estive antes de você, você só gostou da ideia e quis correr o mundo comigo. A risada gostosa da morena no telefone a faz mudar de ideia. - Ok, to na saída da BR já, te espero por uma hora, se não chegar me vou sem ti. E o Uno velho bucina enquanto tocava Aerosmith no último volume. - Essa podia ser a nossa música não é? - E abandonar as outras trinta? Nunca. Vai-se embora pensando que devia ter se despedido dos outros amor

Turista ainda de Guerra

 - Ainda acredito que o erotismo vai salvar o mundo. Pense que não teríamos nada se não as conversas de boteco.  Um bêbado que trajava luto falava na praça pra quem quisesse ouvir, contava seus causos de vida e somente uma menina desocupada que sentava meio distante ouvia, era uma protagonista com o seu caderno de desenhos, pairava acima de tudo aquilo, roubando aquelas frases de loucura para seu vocabulário. Sugava o lirismo dele como um vampiro.  A curiosidade também falava alto de vez em quando, pensando se ele talvez poderia ser o pai perdido de muitos tempos ou o tal amante mais velho que toda garota bonita precisava ter uma vez na vida. Era magra, tinha seios o suficiente e cabelo longo. Era bonita.  Encarava o sujeito e via Leminski junto com Raul, provavelmente se ela lhe pagasse um whiskey ele a levaria para um motel barato, mas imaginava se ele preferiria cachaça ou Gim. Imaginava se ele também percebia a presença dela naquele lugar e se ela também era parte de algum sonho

Seu nome era Carlitos

 Nem se quer perguntou ou pediu. Se sentou na minha cama e me esperou, três horas depois dizia que era minha e eu dela. Mordendo-me a orelha me deixava com uma ereção e depois dava risada, mulher cínica consegue ser malvada. Minto, não era mulher, nem menina, aquele meio termo estranho que se chama moça, o suficiente por enquanto.  Chego em casa cansado, pensando em um futuro trabalho e ela já me tormenta. Manda mensagem e me conta da maneira em que gosta da bala de menta, me descreve o jantar e decorre sozinha sem eu realmente precisar ler. Mas é como Renato Russo, sempre vai ser cedo para tudo.   E então ela me empurra contra a parede e geme no meu ouvido, suspira as palavras que eu não esperava ouvir tão cedo, mas ainda assim ela me deixa sozinho esperando por um futuro que não vai me dar.

Para Bituca

 Não haveria mais bitucas de cigarro manchadas com batons coloridos no meu quarto, muito menos cafés queimados. A vida não requeria mais saltos altos ou olhares forçados para impressionar alguém que não merece; algumas juras de 22 meses atrás foram quebradas assim como a penitência pré-páscoa, mas as pessoas são fracas, elas mentem para si mesmas e erram. Várias vezes nessa existência. Mas dessa vez sem cometer erros (de propósito pelo menos).  As noites viram bem dormidas, mas a mente continua conturbada; quem sabe álcool com Von Trier ajude, mas não vem ao caso, escrevo frases tortas com batom na parede para que pelo menos alguém entenda essa referência.

Um filme com Bill Murray

 Ela já o esperava, recostada na parede lendo um pocket book , não estava maquiada, mas possuía o cabelo penteado e a boca semicerrada, os hábitos haviam mudado. Nem se deu ao luxo de fingir surpresa, felicidade ou sequer desprezo quando ele passa pela porta, um sorriso educado e sincero o recolhe.   O isqueiro na mão e um maço de cigarros que ela gosta, assim que ele a cumprimenta, com um olhar oferecendo a nicotina.   Ela sorri de novo.   - Não fumo mais querido.   - Mentira. Você sempre volta.  - Não dessa vez. Troquei um vício por outro.  Se perguntou por dois segundos o que era, mas a resposta correta e óbvia era açúcar. Se ele percebesse como ao longo das duas horas que se passaram a maneira em como ela sempre mastigava ou uma bala ou um pedaço de bolo teria se tocado, mas ninguém estava afim de brincar de detetive.   Por algumas vezes ela teve a sensação de que ele ia beijar, por outras ele achou que devia fazê-lo, mas ninguém comentou nada. Ela contou suas viagen

Porque vamos terminar a garrafa - Jeans Azuis

 Toda garota se dá ao luxo de hesitar de vez em quando, normalmente é durante a madrugada, naqueles momentos em que o sono não vem. E então músicas tristes do Guns 'n' Roses ou Lana del Rey tocam no rádio e o aperto chega na boca do estômago, e nem se quer tentar dormir ajuda, só piora, pois o tempo passa mais rápido e o cansaço se esvai. Toda uma rotina de sono vai para o lixo. É o menor dos problemas, tendo em vista que se procurar há outros motivos para se estressar. Passado, presente e futuro. Somente um caderno de capa preta sabe disso tudo, alguns rapazes já tentaram lê-lo enquanto ela o guardava debaixo do travesseiro, os choros desesperados implorando por amor tentavam se transformar em poesia, mas nunca mais deu certo.

Altar Particular

 - Mas o que houve?  - O de sempre. Gostei dela, ganhei um beijo e então me apaixonei.  - E ela?  - Tá com um namorado agora.  Mas isso já era história velha, agora as lágrimas eram apenas um sorriso saudosista, não faz bem para ninguém colecionar corações partidos.  - Mas sou muito nova para me amargurar. - Afirmou Bruna.  - Com certeza você é.  E aconteceu tudo de novo, só que dessa vez ganhou algo a mais que um beijo; um número de celular e endereço eletrônico, assim como a promessa de um novo amor. Foram lindos os poemas e os beijos guardados para quando a nova menina de sua vida voltasse para a sua cidade. Se faziam mil e uma juras; como fariam amor sob a meia luz e como leriam Drummond e passeariam pelo largo e então terminariam a noite na James.  Mas pra quem se iludiu uma vez, a segunda vem de lavada.  E mais lágrimas, mais paixões e outra troca por outra pessoa; nem ficou para esperar dessa vez, só saiu a procura do próximo item em sua coleção.

Bilhetes de celular

 Aprendeu a distinguir em sua curta experiencia sexual sexo de amor. Sexo, era a transa. O dilema eterno sobre poder e orgasmos, onde duas pessoas em sua plena intimidade trocavam suor, fluidos e gritos roucos.  Amor era a intimidade em forma de carinho, os olhos abertos olhando para o (outrora) amado que esse lhe sorria de volta. Ele em cima dela, a abraçando.   Sexo, era ele em cima dela, a mordendo.   Sentia falta do amor. Mais pelo fato de que ficaram meses sem, porém nunca mais que duas semanas sem matarem aula para ela ir pra casa dele. Não conseguia mais se lembrar de quando foi que descobriu que amava ele. Não sabia se foi um belo dia que acordou com esse segredo ou se foi realmente quando ele a penetrou pela primeira vez, rompendo-lhe o hímen com o maior cuidado que ela percebeu. Agora não faz mais diferença. Somente uma memória daquele amor obscuro e complicado ainda vive, o primeiro amor é sempre o mais intenso, esperamos que o segundo seja tranquilo. Mas muito cedo ain

Porque vamos terminar a garrafa - Anotações de madrugada

Se ela fosse bela ou alguma coisa que não ordinária, outra pessoa além de mim já teria falado sobre. Ainda era escuro quando acordou e continuava escuro quando saiu de casa, somente quando chegou no ponto de ônibus que clareou um pouco, mas Curitiba estava opaca com a neblina. - Neblina é bom. - disse para si mesma - significa que o sol vai sair.   Era uma noticia boa, levando em conta que ela vestia saia e sandálias. Por mais que vestisse roupas compridas e leves, ela ainda morria de pudor. Atos que ao meio dia ela faria normalmente ao começo da manha viravam tabus. Levantar a saia para subir as escadas ou atravessar um gramado ou até mesmo jogar os cabelos para os lados na função de que sequem mais rápido, porém nos momentos em que a Mateus Leme esta deserta e Curitiba esta tétrica, o medo brota.   Maldito machismo!  Ela andava num ritmo tranquilo, por mais que seus ombros estivessem tesos e sua boca seca. Nao é dificil adivinhar que ela estava apaixonada, por um garoto otimo

Safe & Sound

 Me vesti da mesma maneira que ela havia. Um vestido vermelho, saltos pratas e o cabelo solto. A diferença estava nos nossos estilos; ela estava muito mais formal, o vestido justo com costas abertas e ela penteava os cabelos, sempre fui a Hippie da dupla enquanto ela era muito mais planejadora e inteligente que eu.  Não havia passado rímel ou delineador, não queria ter ficado borrada, um vestido que a delineava perfeitamente quando molhado, provavelmente deve ter sido a cena de filme que ela sempre quis; um breve desvio do caminho para a formatura e então pular da mesma represa que sempre passávamos na frente. Ela deixou uma carta, linda, intimista, pedindo desculpas por me deixar sozinha mas que sabia que eu iria aguentar. Aguentei, pessimamente, mas aguentei.   Mas era aniversário, então sentei na represa pensando em como tudo tinha sido, amizades deixam um gosto doce e tranquilo quando acabam. Tudo muito melodramático, mas era assim que ela gostava, mas ainda bem que não tinha

Com todas as Regalias - 5

Nynia Vishnya  Odeio ter que tratar com formalidade. Não nascemos para isso, você sabe. Não vou pedir desculpas por essas cartas, nós sabemos como me sinto em relação a ti, mas você nunca acreditou. Nina, menina Nina, nunca te deixaria ser a Outra. Você me fez ignorar os meus quarenta anos, dos quais cinco deles foram obcecados por você. É muita maldade tua.  Espero que te doa o coração ao ler essa carta. Não é maldade, quero que sintas a mesma saudade que eu. Minha esposa sabe de você; ela me sorri com tristeza e pena, sabe como homem de meia idade funciona, me faz passar o máximo de tempo possível com os garotos, ri das minhas piadas. Ela ainda é minha melhor amiga, sabe. Coisa que você nunca foi. Nunca seremos amigos, por isso você é inteligente em me ignorar. Mentira, você é estúpida e mesquinha. Sei que pensa em mim da mesma maneira que penso em ti. Sofrer não é bonito garota, por favor, vivamos uma história bela dessa vez.  Mas eu te entendo, sei que vai me ignorar e guardar

Segredo de Folia

 - Vamos lá, tente adivinhar.  - Ainda preciso de um nome.  - Colombina. Acho que vou te chamar de Pierrot.  E saiu por aí com o penteado alto e a saia rodada. Dançou algumas músicas comigo, outras com outros, mas nenhuma das lentas foi em minha companhia. De hora em hora um mulato de terno de linho branco e gravata vermelha com lenço combinando; se aprochegava, sussurrava algo nos ouvidos daquela loira e depois saia deixando ela com um sorriso. Depois disso ela me retornava e me manchava a boca com aquele batom vermelho de sabor de amora. Claro que eu vi a mesma cor no terno branco do Malandro. Eu não esperava nada, sabia que Colombina ficava com Arlequim, mas o Pierrot ganha alguns beijos no meio do caminho. 

Como diria Jorge Maravilha

 Vestiu a blusa decotada e colorida, uma rasteira bonita, prendeu os cabelos e se foi. Cantava o sambinha e dançava o pagode, a morena se divertia. Jogava a cabeça pra trás e rebolava com as amigas. Sempre dando risada, mas quando parava de rir não sorria.  Passaram no boteco depois, onde dois violões improvisavam, ofereceram uma serenata para as moças que somente ignoraram. Duas tinham namorado, e a outra olhava pela janela apaixonada, segurava o celular pensando que talvez desse tempo pra ele ligar pra ela, mas era carnaval. Então só olhou as estrelas mais um pouco e voltou pra casa.  Mais amigos acompanharam, beberam cerveja e cachaça, ela dançava descoordenada, achando graça da vida. Dorme no sofá e acorda antes das oito da manhã, faz o café e come rocambole, com o celular ainda na mão. Segunda de carnaval, tem mais dois churrascos para ir. Nada na piscina, faz a maionese e samba de biquíni. Consegue descansar na rede e acorda revigorada. Terça-feira inteira no carro para volt

Porque vamos terminar a garrafa - Um novo sommelier.

 Eu perguntava das músicas e ele me contava; me dizia sobre o que se tratava e o ritmo, mas não me cantava uma sílaba se quer, me encarava com um olhar de homem sério, por mais que fosse só um moço; olheiras negras o suficiente que o transformariam em um rapaz obscuro se não tivesse um sorriso debochado sempre rindo das minhas asneiras.  Não me deu a mão na rua, somente um beijo desajeitado na porta do restaurante. Não conhecia Bandeira, Bahaus, Mutantes, Caetano e muito menos Rimbaud, mas não via novela também. Sem história complicada, era malandro e bom-moço ao mesmo tempo. Não vestia o terno branco de linho mas também não ia para a zona, fazia capoeira e jogava xadrez, mas era apaixonado por baralho. Longe de ser viciado, mas se garantia. Fazia essas piadas e então me sorria e me abria os olhos de fotografia. Não era Chico Buarque, tinha um olhar mais sereno. Não era um Noel Rosa, mas ainda assim brasileiro moreno. Somente o meu novo personagem quando eu esqueço os meus livros na

Passarinho sozinho não faz verão.

 Cambaleava assustado impregnado com o cheiro amargo do aguardente, demorou até me ver sentada no sofá, quieta.   - Quié mulher?  - Nada, tem janta no forno.  Nenhum problema que em duas horas seria o horário do café-da-manhã. Aprendi a não questionar ele quando ele bebia, muito menos quando chegava junto com o sol nascendo; mas como a janela da sala ficava do outro lado, em casa só virava dia quando eu já tava no trabalho. Seria hora de começar a me arrumar, mas como é feriado não vou trabalhar hoje.   Ele entra abrupto, mastigando uma peça de carne assada, tava gritando mas nem devia perceber, pessoas perdem noção da vida junto da birita.   - Não vai trabalhar hoje?  - É primeiro de maio.  - Vai vagabundear hoje?  Um tapa na cara é a resposta dele, então ele deita no sofá e dorme, só acordaria na hora do almoço, arrumo casa e faço as compras nesse meio tempo.  - Desculpa, não chego mais desse jeito.  - Não faça promessas que não pode cumprir ok? Tá ardendo demais

Lambada de Orixá

 Passei a base e o pó para a pele aparecer aveludada; sombra roxa e rímel, os lábios normalmente um rosa pálido viraram quase marrons; perfume no pescoço e xale no decote. Só não passei blush porque as bochechas já estavam febris demais.  Apoiado meio torto na porteira ele me fazia charme, me vinha com um terno branco, lenço vermelho no bolso e um buquê de rosas na mão. Me cheirou o colo e sussurrou um elogio.  Fomos pro baile, onde ele dava risada com os companheiros e eu sambava tímida com as minhas amigas, na hora da valsa me tirou e dançou colado comigo. Me beijava atrás da orelha e jurava tudo o que eu queria ouvir; quando fomos todo mundo pro boteco ele discursa e me pede em casamento. Choro, borro a maquiagem dos olhos e ele tira a maquiagem da boca. Só a face que continuou rubra.

Aquela Utopia toda

 A desgraça era a maquiagem perfeita do garoto, que somente se apaixonava pelas meninas que inventava; sua feiura e sua miséria eram a declaração perfeita de tua poesia. Se sentava na Riachuelo em dias nublados procurando por espelhos para refletir sobre si mesmo, no colégio desaparecia, somente andando em frente. Não havia nada nem ninguém lá que era digno de nota. As confusões de garotas de classe média-alta não chegavam aos pés aos que ele criava.   Sua última inspiração se chamava Clarisse, um nome de puta que também poderia ter sido uma princesa do século XV, atemporal, como o rosto dela era; a boca em forma de coração, a face polida e o olhar amendoado triste. O batom pink  completava o beijo perfeito e carnal, a língua ávida e os lábios voluptuosos. Clarisse era a menina perfeita que nunca se tornaria uma mulher; atenderia as suas necessidades e quando ele pedisse namoro ela citaria Nietzsche e perguntaria o que ele quer: continuar encarando os olhos azuis dela enquanto fazem