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Mostrando postagens de agosto, 2014

Sopa Asteca

 - Para o inferno com a Europa! Vou-me pro México.  - Para o inferno com a Europa, vou-me pro próprio quer dizer.  - Não. Digo que sempre preferi o calor e adoraria poder ver o pacífico num dia e o atlântico noutro.  - Mas isso já não é outro país? Deixe seus sonhos intelectuais para trás e seja realista.   - Nunca. Se algum dia eu sonhar para ser realista me mato.   - Então é agora que você assume que seus ideais são utopistas?  - Ah! É essa a declaração que você tanto queria. Desde o começo você quer ouvir isso...  - Assumo, te acho um tanto quanto ingênua. Mas mais me preocupo do que critico.   - Então deve se preocupar o mundo.   - Pare, não me coloque desse jeito.  - Sem ironias, agradeço a preocupação. Ainda sem sarcasmo. Vou para o México.  - Terra perdida, vai fazer o que lá?  - Conhecer, me apaixonar, quem sabe até morar lá? Nunca se sabe o mundo. Além do mais, terra do tango, da paella, de Frida Kahlo, Marini.  - Marini é braseileiro, você sabe diss

onde queres tortura, mansidão [...]

 - Você sabe né? Hoje é um daqueles dias em que você poderia ter me pedido desculpas e perdeu a oportunidade.  Uma risada simpática escondeu o amarguramento do menino, mas ter retirado uma reação sequer já era uma vitória. Ela deveria ter se arrependido daquele comentário, mas toda moça amargurada precisa de sua vingança, não quer dizer necessariamente que ela mereça.  - Me desculpe por não ter assumido os seus erros então. - Ele somente traga a bebida amarga como se fosse veneno.  Não responde. Não pela falta de respostas, era quase um ano planejando aquele reencontro e por isso mesmo não iria permitir que acabasse tão cedo. Sabia que tinha apenas algumas horas, afinal ele não aguentaria por mais muito tempo. E é difícil reencontrar velhos amigos sem abordar temas incômodos.  - Não me lembro de te ver bebendo. Bom te ver mais relaxado.  Não foi um sorriso a resposta, parecia mais uma letra garranchada em forma de expressão facial. Enquanto ela pensava em algum tópico, ele bebia m

Fotografia

 Não consegui ficar sozinho. Não sei se foi de propósito, mas naquilo tudo, na rede de abraços e cobertores ela me prendeu. Saí trêmulo da cama que já havia doze dias estava vazia, mas essa foi a primeira vez que me dispus a dormir e acordar aqui. Mãe já encheu o saco " eu que não vou criar marmanjo depois de adulto " e então pra cá voltei. E saí da cama de vez.  Não tinha pão. Não estava mais habituado a fazer as compras, e num domingo então... Fiz ovo mexido; não tenho a destreza que ela tinha de virar o omelete.  E o complexo processo começou; havia me esquecido como se cozinhava antes dela. Nunca entendi isso, a dependência que uma pessoa desenvolve em você em tão pouco tempo, destruiu os 24 anos que fui criado para me virar em apenas um e meio.   A manteiga começou a cheirar e coloquei os dois ovos e uma pitada de sal. Estranho fazer isso sem a voz risonha mandando tomar cuidado. Ou me chamando atenção quando forma uma película na panela, impedindo que o ovo ficas

In verbis

 A chuva caía serena em mais uma noite de outono. Ventava somente o suficiente para a chuva ser horizontal; mas nada que fizesse o vento assoviar. Uma menina bonita demais para ser pobre se senta sob o toldo da entrada de um prédio já condenado.  Um hotel antigo agora já ocupado por quem não tinha dinheiro o suficiente para correr atrás de seus próprios sonhos. Seus inquilinos se dividiam entre boêmios, poetas, mendigos, travestis (alguns mendigos travestis) e ela.  Estava frio, ela vestia um moletom grande mas nada nas pernas. Pernas bonitas, sem marcas ou hematomas, como era comum das damas que ficavam até essa hora da noite. Resultado de muitos minutos passando hidratante talvez, afinal elas ainda reluziam sobre a luz crepitante.  Havia tempos que eu a observava. Ela sempre soube. É uma região pequena, difícil de não perceber as coisas. Conversávamos as vezes na fila do banco ou quando nos esbarrávamos. Não sabia seu nome de verdade, mas ela gostava de se chamar de Mary Anne. Ach