Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2014

Porque vamos terminar a garrafa - Um novo sommelier.

 Eu perguntava das músicas e ele me contava; me dizia sobre o que se tratava e o ritmo, mas não me cantava uma sílaba se quer, me encarava com um olhar de homem sério, por mais que fosse só um moço; olheiras negras o suficiente que o transformariam em um rapaz obscuro se não tivesse um sorriso debochado sempre rindo das minhas asneiras.  Não me deu a mão na rua, somente um beijo desajeitado na porta do restaurante. Não conhecia Bandeira, Bahaus, Mutantes, Caetano e muito menos Rimbaud, mas não via novela também. Sem história complicada, era malandro e bom-moço ao mesmo tempo. Não vestia o terno branco de linho mas também não ia para a zona, fazia capoeira e jogava xadrez, mas era apaixonado por baralho. Longe de ser viciado, mas se garantia. Fazia essas piadas e então me sorria e me abria os olhos de fotografia. Não era Chico Buarque, tinha um olhar mais sereno. Não era um Noel Rosa, mas ainda assim brasileiro moreno. Somente o meu novo personagem quando eu esqueço os meus livros na

Passarinho sozinho não faz verão.

 Cambaleava assustado impregnado com o cheiro amargo do aguardente, demorou até me ver sentada no sofá, quieta.   - Quié mulher?  - Nada, tem janta no forno.  Nenhum problema que em duas horas seria o horário do café-da-manhã. Aprendi a não questionar ele quando ele bebia, muito menos quando chegava junto com o sol nascendo; mas como a janela da sala ficava do outro lado, em casa só virava dia quando eu já tava no trabalho. Seria hora de começar a me arrumar, mas como é feriado não vou trabalhar hoje.   Ele entra abrupto, mastigando uma peça de carne assada, tava gritando mas nem devia perceber, pessoas perdem noção da vida junto da birita.   - Não vai trabalhar hoje?  - É primeiro de maio.  - Vai vagabundear hoje?  Um tapa na cara é a resposta dele, então ele deita no sofá e dorme, só acordaria na hora do almoço, arrumo casa e faço as compras nesse meio tempo.  - Desculpa, não chego mais desse jeito.  - Não faça promessas que não pode cumprir ok? Tá ardendo demais

Lambada de Orixá

 Passei a base e o pó para a pele aparecer aveludada; sombra roxa e rímel, os lábios normalmente um rosa pálido viraram quase marrons; perfume no pescoço e xale no decote. Só não passei blush porque as bochechas já estavam febris demais.  Apoiado meio torto na porteira ele me fazia charme, me vinha com um terno branco, lenço vermelho no bolso e um buquê de rosas na mão. Me cheirou o colo e sussurrou um elogio.  Fomos pro baile, onde ele dava risada com os companheiros e eu sambava tímida com as minhas amigas, na hora da valsa me tirou e dançou colado comigo. Me beijava atrás da orelha e jurava tudo o que eu queria ouvir; quando fomos todo mundo pro boteco ele discursa e me pede em casamento. Choro, borro a maquiagem dos olhos e ele tira a maquiagem da boca. Só a face que continuou rubra.

Aquela Utopia toda

 A desgraça era a maquiagem perfeita do garoto, que somente se apaixonava pelas meninas que inventava; sua feiura e sua miséria eram a declaração perfeita de tua poesia. Se sentava na Riachuelo em dias nublados procurando por espelhos para refletir sobre si mesmo, no colégio desaparecia, somente andando em frente. Não havia nada nem ninguém lá que era digno de nota. As confusões de garotas de classe média-alta não chegavam aos pés aos que ele criava.   Sua última inspiração se chamava Clarisse, um nome de puta que também poderia ter sido uma princesa do século XV, atemporal, como o rosto dela era; a boca em forma de coração, a face polida e o olhar amendoado triste. O batom pink  completava o beijo perfeito e carnal, a língua ávida e os lábios voluptuosos. Clarisse era a menina perfeita que nunca se tornaria uma mulher; atenderia as suas necessidades e quando ele pedisse namoro ela citaria Nietzsche e perguntaria o que ele quer: continuar encarando os olhos azuis dela enquanto fazem

Bloqueio cultural

 Tivemos todas as oportunidades de nos reinventar, mas ninguém nunca tentou nada. Com o mesmo olhar indiferente ela me soltava um sorriso que poderia ser sincero se não fosse tão automático, eu tocava Cazuza como uma forma estranha de chamar atenção enquanto Ramones tocava nos fones de ouvido.  Passeei de noite, procurando qualquer outra companhia, não precisava troca de saliva, somente algum corno no bar para me fazer companhia junto com José Rico e Milionário, pedia conselhos para as minhas amigas lésbicas que pensavam que eu devia pedir o término; mas elas gostando de garotas entendiam o fascínio que o tédio pode exercer, a boca de chiclete e os olhos com sombra lilás e o certo desprezo. Quem sabe se eu a desprezasse daria no mesmo? Provavelmente não, ela não tinha tanto o que perder quanto eu. Era mais que companhia sexual o que ela me dava. Eram os demônios para perseguir.

Provisoriamente não cantaremos o amor

 Carlitos passeava sozinho por cima do viaduto, poderia ter passado por de baixo dele, porém pontes e construções altas lhe passavam a sensação de superioridade, como todo bom corno precisava. A lua brilhante pós-chuva era a cafetina daquela noite, e as garotas pobres do bairro as putas, já que as estrelas não apareciam mais no céu poluído. A rodoviária era o bordel dos homens cansados e ávidos por uma ilusão. Carlitos quase se une à eles, mas estava em cima do viaduto. Em cima em sua superioridade poética.  Sussurrava a si mesmo, agoniado com a cachaça em seu sangue. "Um dia eu me permito esse tipo de vício", mas por ora os diabos internos eram o suficiente para atormentá-lo; se a vida algum dia ficasse menos complicada ele jurava que se emaranharia nos braços de uma mulher maquiada e de perfume barato qualquer. Aqueles seres obscuros, que lavavam o cabelo com detergente na pia e os homens juravam que iam para salão. A colônia barata era Chanel nº 5.   Se encara em um

Nesse salão eu penteio as mágoas.

 Quando não se há fantasmas para perseguir, todo poeta entra em uma indecisão; se afogar em birita ou no esquecimento. Não há desculpas para mediocridade, antes fosse abaixo da média; afinal Bukowski se fez nisso e se transformou idolatrado por uma horda de boêmios fora de época, mas não conviveria comigo mesma se me enfiasse em bueiros.

Desenvolvimento de personagem

 - É fácil demais ser um hipócrita querido, sei disso melhor que você mesmo, por favor não force a barra.  Eu esperava um tapa na cara depois dessa frase, ou um dedo do meio junto com a margarita que ela estava tomando na minha cara. Porém ela sorriu para mim e acenou a cabeça, me respeitava. Mas não ia ir para a cama comigo, talvez alguns beijos antes que a noite acabasse, mas no dia seguinte no escritório ela me sorriria o mesmo sorriso pontual que todos os outros deputados de mais de cinquenta anos recebiam. Estava a um passo de ser indiferente.  Terminamos o jantar e ela pagava a conta, um sinal que o salário dela ela pelo menos o dobro do meu, conversamos sobre música, descubro que ela além de adorar jazz tinha uma fraqueza por heavy metal, mas é claro que a mídia não gostava desse tipo de coisa. Dividimos uma pavlova (acho que é esse o nome) e ela me convida para um whiskey na casa dela, todos os adultos sabem o que isso significava, que era o que deixava a situação ainda ma

Leu a minha fotografia

 Com os olhos de bandido ele me roubava o fôlego, acreditava nas coisas que aquele olhar me prometia e jurava pra mim mesma cumprir com tais expectativas. Assei uma torta esperando a visita dele em minha morada, acendi incenso e liguei música. Dancei sozinha, o suficiente para o penteado cair e o meu rosto se suar. Me cumprimenta com um dos beijos que já tanto conheço e o recebo com o colo que ele já está familiarizado. Eu sinceramente não esperava nada daquela noite do que eu já esperava nos nossos meses anteriores.  Rimos, nos beijamos, dançamos em silêncio e comentamos da viagem que está se aproximando. Ele me pede em casamento e eu aceito.  Todos os anos prossigo com o ritual, assando a mesma torta e o recebendo com o mesmo colo, nesses mesmos braços agora já cansados de sovar pão e esfregar cortina. Ele me beija de maneira diferente, mas com o mesmo hábito juvenil e um olhar agora de mafioso que já conseguiu o que quer. 

The song about a Whore

 Jack sempre que voltava de viagem ia para o bordel, e ele sempre via Luna dançar, esse obviamente não era o nome verdadeiro dela e ele sinceramente nunca quis saber qual era. Quando uma mulher consegue fazer aquele tipo de coisa usando somente as pernas e um chicote se ignora os detalhes. Luna dançava, pegava as gorjetas e ia embora normalmente, mas quando Jack estava na cidade ela ia embora com ele e não ia trabalhar no dia seguinte. Havia uma piada sobre aquilo, mas Jack não ligava. Jack gostava de comer a prostituta.  A última vez que ele visitou Luna foi em oitenta e oito, ela tinha menos de trinta e ele cinquenta já. Ela pediu que não, que estava machucada. Ele deu risada e beijou o pescoço dela, a mulher só precisava ser animada. Ela disse não de novo e o empurrou. Ele bateu nela e conseguiu o que tinha vindo pegar de qualquer jeito.   - Não recebo ordens nem de minha mãe, quem me dera de uma puta!  Pegou o que tinha vindo pegar mais três vezes naquela noite, teve que ent

Canção de Calcanhoto

 Batia o calcanhar no pé da cadeira, tentava relaxar mas não dava. Roí as unhas que não tinha mais e então decidi dar uma volta, andei em círculos na quadra, vendo as mesmas coisas o tempo todo até tive que entrar na farmácia somente para disfarçar. A agonia bate e o peito aperta. Pisco o triplo de vezes que é normal por segundo, mas no fim de tudo consigo não te ligar durante a madrugada. 

Te falei que eu passava.

 Somente com a parte de cima do biquíni e um shorts qualquer um poderia vê-la naquela sacada. Dando risada, tomando sol sozinha ela sabia que ninguém viria, as pessoas não olham para cima normalmente.  Os cabelos molhados e grossos de mar iam até a metade das costas, e ela rebolava silenciosa o samba para que ninguém percebesse enquanto ensaiava os passos. Sonhava em ir pra capital e dançar lá, em Copacabana.  Procurava pelo menino na pista como quem procura fruta na feira, sabendo o que quer, mas procurando o melhor. Acaba levando nada pra casa, se esquece da vida pra levar no percurso animado até o sobrado que dividia, se esquecendo de quem jurou nunca esquecer.

E se (eu) for superficial?

 Desligo a música e só me apoio em meu braço, o encarando tranquila. Um sorriso não-tão-discreto se forma em meus lábios e então relaxo, fechando os olhos como se fosse dormir.  - Mas você realmente acredita no comunismo?  - Meu bem, não sou utopista. Só não tenho coragem de ser negativista nesse nosso mundo.   Fecho os olhos e imagino se ele me encara enquanto faço isso. Provavelmente não, mas ainda assim sorrio, é um dia bom, está fresco e bonito, só falta um violão.   Pensei em contar um segredo, alguma coisa íntima, mas não consegui, só se foi um sorriso bobo e um assunto aleatório. E então me permito pensar em você, mas não mostro. Toda a ciranda juvenil começa de novo, só que dessa vez fingindo que é a primeira. 

Não era belo, mas...

 Num apartamento no batel ela ouvia Engenheiros do Hawaii enquanto roía as unhas sorrindo, um sorriso cansado, meio triste, mas um sorriso de qualquer jeito; enquanto ele dava risada ouvindo a mesma música com os amigos em um outro lugar, um pouco mais distante do shopping.   Ele se perguntava se devia ligar para ela, enquanto ela sonhava com o mesmo tipo de rapaz que ele poderia ser. 

Porque vamos terminar a garrafa - Unhas roídas são péssimas companhias.

 A roda viva carrega a viola, o destino e tudo para lá. Os cigarros nos fundos do colégio, os vinte mil planos de tatuagens (menos aquela de Valfenda) e o apartamento barato na Riachuelo.   Bye-bye alecrins, sálvias e manjericões que seriam plantados em nosso parapeito, vocês teriam sido deliciosos.   Au Revoir cafés caros.  Arrivederci sorrisos serenos.  A maldita da roda só esquece as saudades.

Eu seria parte do teu backing vocal.

 E eu me sento no canto escuro do bar enquanto a morena sorri triste pra mim, com saudades. Mas as saudades passam quando ela beija o garoto bonito de barba penteada. Ela se afasta do rapaz com vergonha e de mim se aproxima, serena e linda.   - Como você ta? - Me dá um beijo na bochecha muito diferente do que o garoto bonito recebeu.   - Ah, você sabe. Não muito também.  Ela não mente pra mim, só fica quieta, não me contaria que estava bem, sendo flertada por vários.   - Mas fale para a galera que eu to levando. 

Balões de ar (daqueles que vão pessoas dentro)

 Procuro por amigos nos lugares errados, juro que não é de propósito, tentei ir para os sebos e as livrarias como o figurino e romances mandam, mas não é minha culpa se todos os garotos inteligentes são tímidos, então caminho sozinha nos lugares errados, mas tudo bem.  Me sentei num parque perto dos cachorros e comecei a ler um livro, e ainda assim ninguém se aproximava. Coloquei o batom vermelho e o decote e nada. E então realmente começo a ler o livro, desisto de procurar e fico quieta. E isso continua por algumas semanas.  As horas em que eu poderia estar caçando namorado eu fazia artesanato, os momentos em que poderia sonhar acordada eu gasto procurando emprego. Me canso e descanso, e quando acordo, viro uma namorada.

Dependente dos independentes

 Um violoncelo recostado na esquina a faz lembrar do ex-namorado que o deu de presente, as músicas que tocam no rádio do último garoto com o qual havia se deitado. Os cabelos compridos e encharcados se secavam aos poucos no calor enquanto ela somente de toalha encarava para a cama perguntando se aquele finalmente completaria o buraco de outros, afinal seria ruim ser só mais uma transa de alguém pela segunda vez consecutiva. 

Mas o destino vai pra lá.

Para cada grito um gole, cada lágrima um trago. Só não fazia nada para corações partidos senão iria se acabar de vez em qualquer vício. Se deitava com mulheres mais velhas somente para não viver de seus calos, contava aos amigos de uma garota desconhecida que conheceu no bar, só omitia vinte anos da idade dela. O infeliz nem se quer conseguia ser pago pelas transas, ainda por cima era ruim de cama.  Um vadio que percorria de bar em bar por um romance que não machucasse se afundava cada vez mais, mas não aguentava e ia para casa, dormia cedo mas acordava com sono de manhã embriagado em suas próprias remelas. Ouvia as versões acústicas das músicas para convencer a si mesmo que o seu gosto musical era bom e cursava psicologia em uma faculdade barata.   - Pelo menos tenho o meu conhecimento para me distrair. - Pensava deprimido.   Se soubesse que em alguns anos viraria obcecado por novela e seria preguiçoso demais para sair do sofá se mataria. 

Na travessia do Sabiá

 - Se eu ficar aqui hoje a noite, você vai me dizer aquelas palavras que nunca foram ditas?   Ele tocava o acordeão recostado na poltrona reclinável de seu quarto, somente olhando com os olhos calmos a garotinha assustada. Quase era um bolero enquanto ela de pé se encolhia como podia.   - Você nunca foi amada meu bem? - Uma dor nasceu no peito, a parte paternal falava alto com aquela garota. Se sentia como em pleno século vinte, tendo que se casar com ela tendo apenas dezessete anos, mas a mãe autorizou e ela precisava, ele só não sabia como se apaixonara.  - Não...  Ele deixa o acordeão e liga o rádio, um bolero toca e ele dança com ela que chora miúda em seu peito, só tinha sido amada por garotos que dizem palavras bonitas até conseguirem o que querem, garotos bonitos e engraçados, muito diferentes de homens de trinta e cinco.   - Camila, Camilinha.  Ela levanta o rosto e para de chorar.  - Minha cama você visita quando quiser, que eu te amo como puder.  A garota mag