Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2012

A Aventura do Alpinista.

 Caminhava sozinho. Os pés já repletos de calos, as panturrilhas ardendo, suor gelado no rosto. Nariz branco, os olhos cansados de tanto forçar a vista pela máscara. Suas mãos doíam de tanto segurar os pinos.  Viu uma base, estava à trinta metros de distância. Tomou fôlego, quase caindo, e então subiu. Cada enganchada precisava de um esforço infinito. Cada passo uma tortura. Sua garganta agoniava, seca. Chorava em um suspiro mudo. Quando menos percebeu, chegou em uma altura, onde ele podia descansar.   Jogou-se na neve gelada, e se arrepiou com o frio. Armou o fogão e acendeu uma fogueira. Riu de alegria quando viu que conseguia sentir os dedos. Abriu uma lata, pegou uma barra de chocolate, armou a barraca e fechou os olhos. Quando os abriu, ouviu um rugido. Não era nenhum animal selvagem conhecido, não. Nem ursos nem tigres.   Saiu da barraca, surpreso por estar quente, e viu então. No céu, as cores. Era azul, lindo e límpido. No chão, estava a grama. Chorou de alegria e alívio.

Classe, Pernas e Álcool

 Duas amigas estavam sentada no balcão do bar. Uma de shorts, a outra de saia. Ambas de decote. Pernas e colo a mostra. Era noite de caça. Uma bebia um Martini, a outra, vodca com suco de laranja.  - Sente falta dele?   - Um pouco. - Disse a loira, que bebia vodca.  - Isso é uma pena... Mas passa.   A loira virou o copo.   - Passou!   Pediu mais um copo, enquanto observava a sua amiga, que por sua vez, observava o bar. Ela jogava os cabelos morenos e longos para trás, enquanto mordia o lábio. Na esperança de que um homem a notasse.   A loira estava tão ocupada julgando a amiga que nem percebeu que a outra a avaliava da mesma maneira. A maneira de que ela cruzava e descruzava as pernas. Como ela sorria para o barman; que era muito bonito por sinal... Foram os três minutos que a morena hesitou que foram suficientes para que a amiga tivesse ganho um drink grátis. Virou de costas, para dar privacidade para os dois.  - Perdeu ele? - Diz um homem. Não um garoto, um homem. Ba

Tão simples que assusta.

 - Deixa eu entender... Você faz boquete, anal e o caralho a quatro, mas... Não beija?  - Basicamente isso, baby.  - Qual a lógica?  - Você não é meu único cliente.   - E daí?  - Não pega bem uma prostituta ter o rosto manchado de batom vermelho. Não fico tão bonita. E sou paga para ser bonita.   O senhor pagou os duzentos reais, fez o que tinha que fazer e ela ficou lá, esperando ele sair. Cansava ter que transar com velhos. Demoravam demais, ou iam muito rápido, broxavam e ela tinha que fingir que isso era normal.   Se arrumou, se vestiu e voltou para a rua, na frente do apartamento. Acendeu o cigarro. Engasgou ao tentar  tragar. Não gostava de cigarros, fediam, tinham um gosto estranho. Mas os fumava, eram sexy. Ela tinha que ser sexy.   Encostada na parede, olhava para baixo, tentando se lembrar de como chegou aquele ponto. Ela não usava drogas, tinha aonde ir. Mas lá estava ela, vivendo a vida como uma puta.   - Hey garotão, aonde vai? - Ela pergunta para um de

Estamos Todos Bem

 - O quê você quer? Dinheiro?   - Claro né, porque é só para isso que eu te procuro, não é?  - Te conheço, você não aparece só para me visitar.  - E nem você. Por que né, para que passar tempo com a filha? Relaxa pai, não preciso de dinheiro. Não sou o mesmo fardo que fui durante a minha infância inteira. Aprendi a me virar, não graças à você.   - Deu de drama? O quê você quer então? Pedir desculpas?  - Eu tenho que pedir desculpas? Foi você quem me criou pensando que o que eu valia eram as minhas notas, que bem... Não importava o que eu fizesse se não era a primeira da turma. Cresci aprendendo que meu pai não cuidaria de mim. E sou eu quem tem que pedir desculpas? Muito justo isso.   - Quer que eu peça desculpas por você ter sido uma péssima filha? Por você não ter se esforçado em nada? Por ter corrido atrás de mim somente por dinheiro?   - Então tudo se resume a dinheiro, não é? É a mesma história se repetindo. A mesma coisa que aconteceu com a mamãe. Que pena. Onde el

Parada final: Colômbia

 "Vai me matar?"  - A resposta foi a bala estraçalhando o peito da garota. Ela sabia que ia morrer, muito antes de eu chegar. Entenda policial, não me orgulho de minha profissão. Não me orgulho de matar pessoas. Mas é o que eu faço. Matei treze pessoas nesse último mês (sim, confessarei todas), porém somente essa garota foi quem vocês correram atrás? Por quê? Porque ela é bonita e rica. Não rica, mas... Estuda em colégio particular, é o suficiente. Matei ela porque ela devia três mil reais para o meu chefe. Não sei com o quê. Cocaína e Heroína provavelmente. Se importa se eu fumar?   - Nem um pouco. Te acompanho.  Acendemos um cigarro cada um. Ofereci um meu para ele, não iria deixar ele fumar aquela porcaria Light que ele estava indo pegar.  - Desculpe, onde parei?   - Ela devia dinheiro para o seu chefe.  - Isso... Ahm, é. Ela devia dinheiro para ele, eu a matei, ele me pagou. Os pais dela me descobriram e aqui estou. Posso ir ao banheiro e dar meu telefonema?

Motivos para citar diretores

 - Qual a sua obsessão?  - Como assim?  - Sua obsessão. - Ela acendeu um cigarro. - Todo ser humano tem uma.   - Ainda não entendo.   - Meu deus... - Ela rola os olhos e da de ombros. - Sua obsessão. Tarantino tem por pés, Scorsese por Nova York, Allen por Paris, Paris Hilton por se exibir. Qual a sua obsessão?  - Paris Hilton não é nenhuma cineasta, o que ela tem a ver comigo?  - Não sei, só para xingar ela mesmo... Não vou com a cara dela.  - Vejamos... - O jovem roteirista ficou ponderando. - Minha obsessão... Filmes? Não... Jardinagem? Não... Escrever? Também não. Ah sei lá. Diga-me a sua.  - Por que deveria dizer a minha se você não me diz a sua?  - Para mostrar como você é superior.   Ela sorriu.  - Violência, provavelmente.  - Engraçado. Nunca vi você cometendo um crime.  - Mas quantas vezes me viu sendo violenta?  Ele então se lembrou das marcas em suas costas, coxas e bunda.  - Isso conta?  - Com certeza. 

Tudo é porque não há o quê ser

 Já fazia um tempo que eu estava com aquela garota. Dois meses mais ou menos. Talvez mais. Não prestava muita atenção. As coisas passavam muito rápido com ela. Ainda lembro de quando nos conhecemos. Ela estava correndo para ir pegar o ônibus. Nem parecia uma garota. Parecia mais uma salsicha preta pulando. Era meio patético. Minto. Era extremamente patético. E também mentirei se falar que não notei ela quando ela entrou no ônibus. Digo... Ele estava vazio.   Então reparei nela. Baixinha, cabelos pretos longos e lisos. Pele clara. Sobrancelhas modeladas, dentes brancos. Bonita. Não linda, uma beleza meio artificial, mas bonita.  E tudo começou quando ela sentou do meu lado. O meio de transporte público estava completamente vazio, a não ser por eu, ela, o cobrador e a motorista. O quê é muito estranho, digo, é Curitiba. As pessoas não socializam por aqui. Não as três da madrugada em um alimentador qualquer.  Passamos a noite num bar. Amanheceu. Liguei para ela a manhã seguinte. E

Geada curitibana

 - Curitiba é uma cidade linda não é? - Disse o primeiro rapaz, para o seu primo.  - Concordo contigo.  - Prefiro ela de dia.  - Por quê?  - De noite, é escura. Você não vê as pessoas, os lugares nem nada. É só silêncio.  - É por isso que prefiro de noite.  - Ué? Não acha nossa cidade bonita?  - Demais, porém como todo curitibano. Odeio pessoas.  - Me odeia então?  - Não chega a ser ódio, mas te tolero.  Ambos riem.   - Vem, te pago uma cerveja.  - Prefiro uma prostituta.  - Que seja.   Andam pelo Largo, cada um com seu cigarro. Tragadas lentas e baforadas poluentes. O primeiro rapaz esconde um sorriso maroto, daqueles amarelos. Sem motivo, só se sentia bem. O segundo andava com a cabeça largada e ombros relaxados, rezando para que um articulado os atropelasse.   - Mudei de ideia, vamos para o bar.   E foram. Passaram a noite bebendo em silêncio quase, na hora de pagar a conta, o primeiro pagou tudo, o segundo deu de ombros e abriu a segunda caixa de ci

Rotinas, diaristas e aflição.

 - Senti sua falta. - Ele diz, beijando o pescoço de sua empregada, daquele jeito que somente ele sabia.  - Também senti a sua.   E então ela pula nele. Na mesma maneira que um leão ataca a presa. Ela o joga na cama, o despe e o beija. Não tem nem cinco minutos e ele já esta arranhado, com marcas em seu pescoço, peito, ombros... E então começa o ato. Ninguém pensa.  E então o celular toca.  - Quem é amor?   - Meu marido. 

A vida suburbana dos centros das metrópoles

 - Então você vai embora?  - Basicamente.  - Por quê? Você sabe que todo o seu futuro, toda a sua carreira está aqui.  - Contigo?  - Não, nessa cidade. O quê implica em estar comigo.   - Posso me mudar.  - Com qual dinheiro?  - Bem, se dormir contigo pagou as minhas contas, pagará em outro lugar.  - Não vai embora. Eu te amo.  - Mas eu não te amo.  - Eu vivo com isso. Mas não sem você.  - Que pena, viverá sem os dois.   Meia hora depois, ele liga para outra prostituta. 

Conduta Ética

- Então doutora, tudo começou quando eu assisti "Clube da Luta" pela primeira vez... - E quis ser um Tyler Durden da vida não é?  - Eu te pago pra me ouvir. Então ouça.  A doutora ficou quieta. - Eu cheguei a conclusão de que... Eu era uma mistura patética e debochada de Marla com o Narrador. Digo, não me importava com nada em relação a mim mesmo, porém com as outras pessoas, demais. E não num sentido bom e belo, como Madre Teresa. Mas sim num sentido ridículo, estilo adolescente.  Ela ficou quieta, esperando ele continuar. - Porra, diga algo. Te pago para me dar conselhos.  Ela respirou fundo, e então disse. - Crise de identidade? Entendo... Olha, por que não gosta de si mesmo? - Quem disse que é crise de identidade? Pra vocês doutores... É tudo a mesma porcaria! "Ai, porque eu não gosto de mim, ai porque eu sou infeliz, ai porque minha vida é uma droga"! Não te pago para ter pena de mim!  Por dois segundos, a média perdeu o controle. Aguentar

Até que a morte nos separe. Ou a prostituta mais barata

 Não vai levar a nada. Eu sabia disso no momento em que entrei no corredor. Cada passo eu andava firmemente, olhando para a frente, forçando um sorriso calmo. Ajeito meu cabelo e procuro por ela enquanto percorro meu caminho até o altar. Não a encontro, não é de se esperar. Chego ao meu lugar, cumprimento meus padrinhos e espero pela minha noiva.  Ela entra. Linda. Roberta sempre fora uma mulher maravilhosa, desde pequenos eu a enamorava, escapulia para vê-la tomar banho. É claro que se ela soubesse disso, nunca aceitaria ser minha esposa. Ou talvez sim. Nesses meses de noivado de alguma maneira... Ela soube de meus deslizes...Mas qual! Deveria eu, me contentar com o celibato? Ela sabia que eu tinha uma vida sexual ativa. Não sou somente eu que deveria fazer sacrifícios... Mas então, ainda é uma surpresa de ela querer casar-me comigo.   A quem engano. Ela não quer. Eu não quero. Somente o iremos fazer, por promessas, expectativas alheias. Mas não, irei compensa-lá. Ou não. Não faz

Porque relacionamentos românticos importam (?)

 - Quem é ela? - A garota perguntou para o amigo, ao vê-lo jogado, bebendo.  - O quê?  - Ao julgar pela garrafa você não bebeu o suficiente para estar bêbado, então vou perguntar de novo. - Ela fez uma pausa enquanto sentou-se do lado dele. - Quem é ela?  - Por que tem que ser uma garota?  - Somente duas coisas fazem um homem beber sozinho: garotas e morte. E como você não está vestindo preto, quem é ela.  - Duas palavras: ex-namorada. - Ele disse, oferecendo a garrafa para a amiga.  - Uma palavra e um prefixo então. - Ela respondeu sorvando quatro goles da vodca barata.  - Um final, de qualquer jeito.  - O quê houve?  - O de sempre. Nos conhecemos, namoramos, ela terminou comigo. E aqui estou eu. Bebendo sozinho. Ou estava pelo menos.  Ela sorriu amargamente e devolveu a vodca pra ele. Ficaram nesse rodízio por uns três minutos, até então que ela quebra o silêncio.  - O quê você queria estar fazendo agora?  - Largado em uma praia deserta, fumando um baseado e com duas garr

A rosa desabrochada

Apesar de tudo. De todas as mudanças de todos os sutiãs queimados; as mulheres permanecem com a mesma função. Manter um lar. Sorrir quando tudo estiver caindo, engolir as lágrimas e sorrir. Oferecer os ombros para carregar o peso que os homens em toda sua masculinidade e orgulho, se recusam a admitir que não agüentam. Será assim até o fim dos tempos. Os homens lutarão, se armarão, porém as mulheres os manterão. Mesmo que não os homens, mesmo que amem outro, elas continuarão lá. Com ou sem roupas intimas.

Palavras abafadas por sorrisos

 Um dia cinzento, simples, ordinário. Como todos. A garoa leve e pinicante caia sobre o rosto dela. Os óculos totalmente repletos de gotas. A maquiagem meio borrada. Lábios mordidos.   Ele estava com o cabelo molhado, arrepiado com o frio. Afinal, havia emprestado a camisa para ela. É o que cavalheiros fazem.   Ela o olhou. Estava sorrindo. Ele adorava aquele sorriso. No mesmo tempo que odiava aquele olhar. O olhar cínico, irônico, cético. O olhar de que sabia o que ele iria saber. Mas aquela gota de travessura em sua  íris era o que fazia que tudo valer a pena.  Ele a encarou. Também sorria. Ela odiava aquele sorriso. O sorriso de deboche, o mesmo de quem vê uma criança tentando ser adulta. Aquele sorriso em parte sincero e que em parte escondia algo. Aquele sorriso que ela também adorava.  Afagou-lhe os cabelos e a encarou. Ela tomou a iniciativa ao mesmo tempo que ele. E então sincronizaram-se. Era mais uma coisa em que combinavam. Gosto cinematográfico, literário. Em contrap

Nome na calçada da fama, ao estrelato.

 - Você combina com Hollywood.  - Duvido, não sou bonita o suficiente.  - Pare com isso. Você sabe que é. Só quer elogios.  - Está certo, como sempre. - Ela ri e assopra a fumaça do cigarro. - Então me elogie.  - Você é bonita, canta bem, sabe fingir bem, manipula as pessoas, é falsa.  - Já saiu da classificação de elogios isso.  - Mas continua sendo verdade.  - Enfim, quem sabe... Penso em ir para o Rio. Começar a carreira. Nós dois sabemos que não presto para mais nada.  - Prestar você presta... Só que... Não faz nada tão bem quanto fingir. 

Poisoned Jelly Bears

 - Suas últimas palavras?  - Por quê? O sanduíche está envenenado? - Ele perguntou, dando uma mordida.   - Não. Quais seriam as suas últimas palavras? Vamos lá, eu te aponto uma arma. Quais são as suas últimas palavras?  - Por que porra você estaria me apontando uma arma?  - Vou saber? Você matou a minha família, me estuprou, roubou doce de uma criança. Tanto faz. A questão é. Eu estou com uma arma apontando para a tua cabeça. Quais as suas últimas palavras?  - Por que mataria tua família? Gosto da tua mãe, ela cozinha bem. Te estuprar? Bem... Não vale o esforço. E você realmente me mataria por roubar doce de uma criança? Duvido. Agora, se você fosse roubar meu doce que roubei da criança, aí sim é plausível.  - Que seja. - Ela deu de ombros e fez uma arma com os dedos. - Quais as suas últimas palavras?  - A prostituição não ta dando muito certo né? Puts, ta passando fome.  - Bang.   Ela puxou o gatilho. Ele riu. 

Amor em Vermelho

 "A arma estava muito gelada em contato com a pele de sua face, quente, escarlate. A garota estava impassível. A expressão de medo dominou o rosto dela. O rosto todo estava pálido, com exceção das bochechas. Sempre rosas. Não importe o que acontecesse. Não importa a temperatura. Rosa sempre terá pele quente e bochechas rosadas ."  Bochechas. Que palavra estúpida. Sonoridade horrível. Por que não chamar de rosto? Ou maçãs do rosto? Melhor maçãs do rosto.  "Não importa a situação. Rosa sempre terá pele quente e as maçãs do rosto rosadas..."  Deveras soa melhor.  Permaneço meia hora nesse parágrafo. Logo menos desisto. Pego minha carteira, coloco meu casaco e saio. Levo meu caderno de notas (sim, século XXI e ainda utilizo cadernos de notas), sento em um bar e espero pela inspiração.   E ela me atinge.  Uma garota. Minto. A garota. A mesma de sempre. Mesmos cabelos descoloridos, olhos quase negros de tão castanhos e a mesma boca vermelha. Tantas vezes que

Todos precisam de um tempo.

 - Filha, está na hora de comer.  - Já vou indo, mamãe.  A mãe se retirou do quarto e foi preparar o prato da filha. A mesma expressão de sempre. Uma mistura de pena, raiva, frustração. Sempre isso. E então fez o prato da filha doente. Um pouco de arroz integral. Peito de frango desfiado. E salada. Ela precisava emagrecer.  A garota sentou-se. Olhou para o prato. Quis dizer algo, porém só olhou para baixo e começou a comer. Lentamente. Engoliu toda a salada, e comeu pouco arroz. Sabia que seria criticada se comesse muitos carboidratos. Subiu até o seu quarto e começou a escrever.  A filha ficou lá por algumas horas, até que então a mãe irritou-se, abriu a porta e falou para ela.  - Pare de escrever essas merdas! Saia de casa, vai correr! Você precisa emagrecer!  A garota nem teve tempo de responder. Deu de ombros, pôs o tênis e saiu a correr.  A mãe, já exausta de tanto trabalhar, arrumar casa, e fazer as compras, estava quase caindo de sono quando foi arrumar o quarto d

Qualquer democracia é melhor que a melhor ditadura.

 - Stalinismo, Nazismo ou Estado-Novo?  - Suicídio.   - Nossa. Pensei que você iria escolher Stalinismo. Você não é comunista.  - Sou... Mas gostava mais de Trótsky.  - Justo. Você seria morta né?   - Me faça um favor?  - Sempre.  - Não me faça escolher entre isso de novo.  - Isso o quê?  - Suicídio e Tortura. 

Auto-Diálogo parte II

 - Seu gosto é bom.  - Como assim? Tenho sabor de chocolate, baunilha?  - Não, sua idiota. Você ouve coisas boas, lê coisas boas, assiste coisas boas. Isso é bom.  - Que pena...  - Por quê? Não gosta de ser culta?  - A questão não é essa. A questão é... Se eu tivesse gosto de chocolate ou baunilha, eu seria interessante. E não uma intelectual a mais por aí.   - Se o mundo fosse feito de intelectuais ele seria melhor. Mais correto.  - Mais chato.   - Sim, mais chato. Porém é uma chatice repleta de conteúdo.  - Não. Sou chata de qualquer jeito.   - Qual é a diversão em criticar a si mesma? Aceite um elogio e sorria simplesmente.  - Sou uma intelectual não é? Critico tudo o que não gosto.   Então ela sorriu e ficou quieta. 

Auto-diálogos. Parte I

 - Você é bonita.  - Não o suficiente.  - Suficiente para o quê?   - Para a sociedade. Não sou alta, não tenho cabelos longos, não sou siliconada. Não sou nada. Um meio termo eterno.  - Bem, para mim você é.  - Mas não é a sua opinião que conta, é?  

Lágrimas secam-se sozinhas

 - Sabe, você não devia tomar tanto disso. Vai passar mal. - A garota disse, preocupada.  - Tô com dor de cabeça. - Ele respondeu, dando de ombros.   - Sei, mas acho que a dose recomendada é a metade do que você toma.  E da mesma maneira ele toma os três comprimidos.   A garota olha para o lado e se abraça. Os mesmo pensamentos na cabeça. "Será que é só remédio?" "Será que ele continua bebendo?" "Será que ele usa algo mais?". Engole a lágrima e sorri com o canto da boca quando ele coloca os braços em volta dela.  - Eu sei me cuidar, ok amor? Você sabe que eu to bem. - Ele beija a orelha dela, daquele jeito que ela sabe.  "Não, não sei." Ela queria dizer, porém somente fechou os olhos e segurou os braços dele.  Passaram o dia conversando e rindo, então foram para a casa dele. A noite passou rápida e feliz, pelo menos foi assim que ela se sentiu.   Ele dormia, sereno e calmo. Ela ficou a avaliar as costas dele e seus braços. Notou

Foi no mês de Dezembro.

 Natal, ano novo.Todas as cenas lindas e felizes. Casais abraçados sob a lareira, presentes debaixo do pinheiro. Neve... Deveria ser assim, porém, estou no Brasil. Ou seja, o Ano-Novo se resume em praias lotadas, acidentes de trânsito, estupro massivo e suor. Muito suor. Deus (se é que você existe), odeio suor.   Tinha deixado meus primos em Copacabana, estava voltando para casa, quando a vi. Só estávamos eu e ela no vagão, íamos para o sentido centro. Ela sentada, ouvindo música, cabeça baixa. Me aproximei um pouco, consegui reconhecer o que ela ouvia. ...Justice for All.  - James ou Mustaine? - Perguntei.  Silêncio como resposta. Ela não me ouvira. Ou decidira me ignorar.  - James ou Mustaine? - Repeti a pergunta, cutucando-a.   - Ahm? - Ela tirou os fones e me encarou. Aqueles olhos. Castanhos, cílios grossos. Rímel borrado. Ela havia chorado, mas ainda assim era magnífica. O cabelo castanho-escuro desbotado, tinha mechas pretas e marrons. Lábios vermelhos mordidos e mach

You, me and all of the people

Jogo seu casaco no canto do quarto, mas ainda sinto o teu perfume. Você e esses seus pavorosos banhos de perfume que tanto adoro. Fico tentada a me levantar e pegar o moletom. Mas a preguiça fala mais alto. Aguço o meu olfato e começo a me lembrar do dia de hoje. Eu chegando um pouco mais cedo e te encontro com ela. Dou uma volta e volto no horário combinado. Você diz que me ama. Eu acredito. Mente uma vez, duas, e três, porém continuo acreditando, pois sou idiota e te amo. Que droga. Não consegui não pegar o seu casaco.

Quanto vale uma madrugada e um coração.

- Como foi a sua madrugada? - Normal, e a tua? - Extraordinária. - Foi boa então? - Eu disse extraordinária, não boa. - O quê teve de extraordinária? - Contratei uma prostituta. - Que merda. - Falei. - Permanecem em silêncio por algum tempo - e a tua? Regada a vodka e lágrimas? - Não. - Uísque? - Não. - Vinho? - O quê então? - Leite com achocolatado.

For all the broken hearted people walking through the night

 Ouvir Marisa Monte para tentar te entender. Passar mais tempo vendo filmes para poder lhe recomendar algum. Passar as noites em vão acordada pensando em ti. Pensando em te encontrar. Essa são as fases do meu dia. Ou eram. Não sei mais. Não tentei voltar a ter uma rotina desde que tu fostes embora.  Sei o quão deprimente é. Sim, é triste. Errado. Patético, e digno de pena. Não vale a pena.   Resolvo acordar. Sair da cama, abrir a janela, tomar um banho, me exercitar, ligar para todas as garotas e ser feliz de novo, como era antes de te conhecer. Mas então bate a preguiça. Preguiça de tentar te esquecer. Preguiça de ter que fingir que está tudo bem. Então resolvo me meter embaixo das cobertas e sonhar. Afinal, sou uma adolescente. Me deixe ser dramática. Em alguns anos isso saíra da escala de ridículo e virará triste. 

Toquinho, Vodca e insegurança feminina.

 "E você vai rasgar meu papel..."   Engraçado isso, rapaz. Você é o meu caderno. Rasguei-lhe, usei-lhe. Não te esqueci, e você me ensinou o be-a-bá. Me mostrou muito. Me influenciou. Não uma, nem três que ouvi dizer que meus textos pareciam ser escritos para somente uma pessoa. No começo eram. Agora... Alguns são. Mas, serei eu o seu caderno? Não... com certeza não... Você é assim muito antes de mim. Era muito mais inspirado antes de minha presença. Era muito mais vivo. Você é o meu caderno. Eu sua vodca.  Te ajudo a levantar. Te faço cair. Mas sempre com um sorriso. Te anestesio, te embriago... Porém sempre há aquela dor de cabeça. Aquela raiva. E aquele sorriso... Sim... Aquele sorriso de álcool com poesia e palavras tolas. Enfim, somos um caderno encharcado com vodca. Melhores histórias. Sensibilidade. Opostos. Insegurança. Mas no fim... Somos poesias bêbadas.  "...Não me deixe num canto qualquer..."

O fotógrafo boêmio e sua mãe.

 Saia de casa as seis da noite. Chegava as duas. Sempre com uma máquina na mão. Passava os dias enfornado no quarto revelando tais fotografias. Nunca ninguém as havia visto. A única coisa sobre seu filho que dona Clara sabia era que cada noite ele tinha uma tatuagem nova. Eram sempre pequenas. Noite passada fora o busto de Marilyn Monroe, na anterior uma rosa queimada. Todo sábado de tarde eles saiam e tomavam cerveja e conversavam. Ele respondia tudo o que ela perguntava. E ela fazia o mesmo. Riam, conversavam, se divertiam.   Uma noite que o filho saiu, Dona Clara não aguentou, e tentou abrir a porta, como já havia feito algumas vezes antes. Mas dessa vez, ela estava destrancada.   Entrou no quarto de luz avermelhada. Milhares de negativos de fotografias, inúmeros álbuns, e uma cama. Na cama tinha uma garrafa de absinto e uma seringa. A mãe pôs-se a chorar. Recompôs-se. Não podia ser fraca quando seu filho precisava dela.   Pegou seu Honda Civic, foi até o largo, e andou de ba

Infidelidade literária

 - Ela é um fantasma. Já lhe disse isso. Não está mais aqui para mim. Não estou mais lá para ela. Não somos mais nada. Eu e você. É esse o "nós" que importa.   Ele sabe o quê ela ta pensando. "Se ela não importasse você ainda não teria a aliança dela. Se ela não importasse, você não pensaria nela, não confundiria meu nome com o dela." Respirou fundo e esperou ela dizer essas palavras; afinal, ela era previsível.  - Ela pode não ser importante, mas ainda é um fantasma que te assombra. Nós dois sabemos disso. Você não consegue escrever se não é sobre ela. Não consegue mais ter senso crítico, não consegue ter guarda alta. Por mais que ela tenha te machucado, te feito chorar, ter te quebrado. Ela te fez escrever e crescer. Isso são duas coisas que eu nunca fiz. E você, sendo um escritor, isso é um problema.  - Você sabe que é a minha musa.  - Posso até ser a sua musa, mas ela é a sua inspiração. 

Freud explica.

 - Vou ser presa pai.  - Já soube. Li a intimação.  - Nada a declarar?  - Eu avisei.  - Eu sei.  - Falei para não assinar no que escrevia, falei para não se expor. Mas você nunca me escuta. Seja sobre tomar café forte, seja para se proteger.  - Bem pai, eu não faço nada que me arrependo, você sabe disso. E se eu não puder falar o que eu quero, não puder fazer o que quero, assumir que sou eu quem pensa desse jeito, seria o mesmo que se submeter a ditadura.  - Filha... Por favor. Não vá para a cadeia, retire o que disse. Não vou deixar você ficar assim. Eu te ajudo, posso te ajudar.  - Pai, desculpa... Mas, sou eu quem escolhi ter dentes amarelados.   - Escove-os, clareie-os.  - Posso fazer isso,mas ainda utilizarei mais pó de café do que açúcar em minha vida. 

Volúpia, culpa e vergonha.

 Lá estava ele, cigarro nos lábios, cerveja na mão, deitado na maca. Sorria com a companhia de seus amigos. Discutir politica com aqueles animais era quase impossível. Viviam nesse fim de mundo que era o Rio Grande do Sul, não foram para Brasília. Três pessoas presentes. Cada um representando uma faceta.   Zeca; amigo de infância. Nasceu para ser peão. Morrerá sendo o melhor peão que já existiu. Sem escolaridade, foi alfabetizado pelos seus cuidados. Vivia ora cuidando de seu sítio, ora lendo. Sabia Nietzsche, Freud, Jung... Mas não conhecia Marx, Weber, Locke ou Smith. Ainda assim tinha a visão política mais simples e bela que nosso enfermo já havia visto. "Não pretendo morrer rico. Mas pretendo morrer feliz. É o que o governo devia fornecer"  Fernando; seu filho primogênito. Oposto de Zeca. Viveu de Marx. Entrou de cabeça na política socialista, enquanto era sustentado pelo pai para estudar em São Paulo. José Carlos sabia que o filho se envergonhava disso e o esbofetea

Auto-crítica em terceira pessoa.

 Café. Escritório. Televisão. Café.   "Uma vida resumida nisso, com alguns trocados no bolso. Carro do ano, blusas de marca. Ótimo, engula toda essa porcaria e finja que é feliz, quem sou eu para negar? Mas não ferre o resto da sociedade com esse  seu sonho doentio. Não estamos mais nos anos 60, querido. O American way of life  já morreu. Não somos mais loiros e felizes. Não somos mais nazistas. Não somos mais nada. Mas ainda assim somos mais completos que você."  Mais café. Filmes Pornô. Conhaque. Travesseiros.  "Você quer ser uma merda de playbozinho rico, filho de papai? Quer financiar a guerra para enriquecer mais? Quer poder pagar a sua cocaína? Faça algo de útil, seu animal. Não tem coragem de lutar para salvar o seu país mas tem coragem para encomendar drogas. Cadê os seus bons-costumes agora? Enfiados em algum lugar com sua hipocrisia, talvez."  Trair a esposa. Drogas. Armas.   "A vida não se resume em sexo. Fácil repetir isso, contanto que n

Não precisa de título, a sociedade entende a indireta.

 Andar de cabeça baixa. Roupas não muito escuras. Ouvir música baixa. Não encarar ninguém. Evitar os militares. Não usar vermelho. Se misturar, não chamar atenção. Sobreviver era fácil.   Fabiano andava quieto, inseguro, sempre olhando para os lados. Com as mãos nos bolsos do moletom. Sempre abaixando a cabeça mais quando via os militares, quase como uma espécie de reverência ou mesura... Não fazia diferença, ele não sabia a diferença. Viver em medo, sem poder fazer nada... Era insuportável. Mas era viver. Não ia para a escola, era perigoso lá. Não encorajavam o estudo.   Um garoto estranho passou correndo por ele. Calça de couro, jaqueta vermelha e um broche que não reconhecia o símbolo. Ele tinha uma faixa dobrada no colo. Sempre correndo, estendeu-a. Uma pequena multidão se aglomerou. Fabiano se afastou, viu que os guardas estavam de olho. O rapaz começou a falar.   - Vocês estão felizes?   - NÃO! - Somente uma garota, cuja blusa tinha o mesmo símbolo que o broche dele resp

Clichês vs. Acidez

 - Qual foi a primeira coisa que você notou quando me viu?  - Peitos.  - Sério?  - Aham.  - Ok, qual foi a primeira coisa que eu te disse?  - Não lembro...   - Por que não?  - Tava olhando pros seus peitos.   - Ahm...Ok então...  - O quê foi, pequena? - Ele a abraça por trás.  - Se eu usasse tamanho 36, você não me notaria, certo?  - Errado.   - Me engane.  - Eu não te amo.  - Conseguiu.  - Tomar no cu, Laura. Você só fez as perguntas erradas.   - O quê eu deveria perguntar?  - A coisa que mais me marcou de você.  - Por quê? Pra você dizer "teu sorriso" e deixar por aí mesmo?  - Amor... Desculpa, seu sorriso é lindo, mas não foi o que me mais marcou em você, foi sei lá, acho que seu humor.  - Como assim?   - Você fez piadas com hipsters. Todos odeiam hipsters.  - Mas você é um hipster...  - É por isso que eu escolho prestar atenção nos seus seios. 

regra de três

 Eram três garotas. A que chorava; a que o fazia escondido; e a que o não fazia.  A primeira era solitária. Sempre sozinha no canto da sala, ouvindo música. Não tinha nada a esconder, sabia que ninguém iria ouvir. Chegava em casa, abraçava sua mãe, deitava no colo dela, e falava o que tinha o que falar. Sorria quando tudo aquilo acabava e ia para seu quarto.   A segunda, sempre sorria e ria. Era espontânea, liberal. Bonita, ou pelo menos se arrumava muito. Chegava em casa. Conversava com a mãe, ouvia as inúmeras críticas, dava de ombros, corria para o quarto, se trancava e chorava.  A terceira, não era bonita. Não era feia. Ninguém sabia nada sobre ela, muito menos a autora aqui presente. Só sabiam que ela não era feliz. Mas a diferença dela para as outras três, era que ela não era triste. Sempre indiferente. Sempre lendo. Sempre lutando por algo que ninguém conhecia. Chegava em casa, brigava com ambos os pais, ia para o quarto e dormia. Era uma existência medíocre? Talvez, mas