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Mostrando postagens de março, 2014

O sumiço de Eleanor Rigby

 A bagunça era inacreditável, porém mostrava os passos, medi tudo aquilo com uma precisão fria antes de ser tomada pelo nojo. Entrou pela porta da cozinha, revirou minha gaveta de remédios; subiu para o meu quarto, abriu meu guarda-roupa e levou algumas calcinhas, foi no meu escritório e embora levou minha aliança. Nem se quer liguei para a polícia, só mandei as crianças passarem as férias com a vó, o que quer que ele quisesse ele teria.  Me sentei no sofá pelo resto daquele dia, o uísque velho e a água de coco, as cartas estavam todas na minha bolsa esperando por ele. Assim como outras coisas. Dormi esperando ele, acordei com a bolsa revirada caída no chão e o pescoço úmido de saliva. Tinha uma rosa no sofá, em 3 anos de casamento ele nunca havia me dado flores, mas acho que nunca é tarde demais para re-começar.  Arrumei a sala inteira, procurando por alguma espécie de carta ou bilhete. Algo que explicasse o objetivo dele, provavelmente não seriam os meninos; nunca vou entender como

Porque vamos terminar a garrafa - Bah, Tchê!

 Desligo o gravador quando vou cantar sobre você. São juras íntimas e discretas demais para as pessoas saberem; uma espécie de blues sereno que acho que te combina, um contrabaixo bem colocado e uma guitarra com os solos nem se quer comento a letra. Me imagino como a Julia Roberts cantando isso para você, talvez um vestido longo. Mentira, são só as coisas que ficam na minha mente na hora de dormir mesmo.

Carioca ao vivo

 Andava descalça na calçada afirmando que tinha tomado a anti-tetânica há menos de dois anos. O calçadão de Copacabana nunca era vazio, mas as pessoas pareciam abrir caminho para que ela passasse, agradecia e dava risada; se contrastava na multidão pela sua pele branca e o enorme chapéu de palha que usava. Se apresentava como Amanda em um restaurante, Letícia num bar e volta e meia me chamava de William na frente de desconhecidos. Flertava com eles e me dava risada, piscando o olho.  Me lembro de quando a gente se conheceu, no mesmo boteco de sempre; eu comia açaí com flocos de tapioca e ela suco de manga eu mandava porções de azeitona de vez em quando e ela me devolvia com continhos de fada em guardanapos. Depois de uma semana (somente nos encontrávamos nas segunda e quinta feiras) ela se senta do meu lado.   - E agora que me chamou a atenção, qual o seu plano?  - Não sei, não esperava que respondesse.  - Te mandei bilhetes o suficiente para você saber que me interessei, não

Toco o meu baixo em (com) dó

 Um beijo de cinquenta reais é a minha despedida. Não sabia que era tão caro até descobrir que ela usava um batom de marca, gostava daquele sabor sútil de canela, ele ficou durante dois encontros na memória, no terceiro acabei indo para o apartamento e vi o batom rubro na cabeceira. Chanel, sofisticado.  Dormia com a boca aberta, feito criança. Ainda estava escuro quando acordei e ela ainda adormecida, virei para o lado e peguei no sono de novo. Dez da manhã ela me cutucou.  - Vai passar o dia aqui?  - Se não for incômodo.  Assa duas coxas e sobrecoxas de frango para o almoço; conversamos sobre música e filmes por horas a fio, ela me fez lavar a louça e a roupa. Nem percebi quando tinha uma mala lá com as minhas coisas na gaveta dela. Ouvíamos Engenheiros e tocávamos Bob Dylan de noite. Me teve como dela e nem se quer a dignidade de avisar.

Amor de contos de Verão

Cantava Cartola ao romper da manhã enquanto fazia a mala, tinha uma maleta daquelas quadradas que carregava em todos os cantos, atrapalhava, levar a bagagem em uma mão e o violão na outra, mas era tudo pela cena, se tivesse alguém a filmando ela poderia ser a nova protagonista de um projeto do Selton Mello. Foi a pé até a saída para a rodovia e quase que deu meia volta para se despedir de uma pessoa querida, mas a vida é feita de coincidências, e recebe uma ligação. - Onde você tá? - Tô indo oras bolas. - Sem mim? A gente prometeu. - Não, eu prometi para o garoto que estive antes de você, você só gostou da ideia e quis correr o mundo comigo. A risada gostosa da morena no telefone a faz mudar de ideia. - Ok, to na saída da BR já, te espero por uma hora, se não chegar me vou sem ti. E o Uno velho bucina enquanto tocava Aerosmith no último volume. - Essa podia ser a nossa música não é? - E abandonar as outras trinta? Nunca. Vai-se embora pensando que devia ter se despedido dos outros amor

Turista ainda de Guerra

 - Ainda acredito que o erotismo vai salvar o mundo. Pense que não teríamos nada se não as conversas de boteco.  Um bêbado que trajava luto falava na praça pra quem quisesse ouvir, contava seus causos de vida e somente uma menina desocupada que sentava meio distante ouvia, era uma protagonista com o seu caderno de desenhos, pairava acima de tudo aquilo, roubando aquelas frases de loucura para seu vocabulário. Sugava o lirismo dele como um vampiro.  A curiosidade também falava alto de vez em quando, pensando se ele talvez poderia ser o pai perdido de muitos tempos ou o tal amante mais velho que toda garota bonita precisava ter uma vez na vida. Era magra, tinha seios o suficiente e cabelo longo. Era bonita.  Encarava o sujeito e via Leminski junto com Raul, provavelmente se ela lhe pagasse um whiskey ele a levaria para um motel barato, mas imaginava se ele preferiria cachaça ou Gim. Imaginava se ele também percebia a presença dela naquele lugar e se ela também era parte de algum sonho

Seu nome era Carlitos

 Nem se quer perguntou ou pediu. Se sentou na minha cama e me esperou, três horas depois dizia que era minha e eu dela. Mordendo-me a orelha me deixava com uma ereção e depois dava risada, mulher cínica consegue ser malvada. Minto, não era mulher, nem menina, aquele meio termo estranho que se chama moça, o suficiente por enquanto.  Chego em casa cansado, pensando em um futuro trabalho e ela já me tormenta. Manda mensagem e me conta da maneira em que gosta da bala de menta, me descreve o jantar e decorre sozinha sem eu realmente precisar ler. Mas é como Renato Russo, sempre vai ser cedo para tudo.   E então ela me empurra contra a parede e geme no meu ouvido, suspira as palavras que eu não esperava ouvir tão cedo, mas ainda assim ela me deixa sozinho esperando por um futuro que não vai me dar.

Para Bituca

 Não haveria mais bitucas de cigarro manchadas com batons coloridos no meu quarto, muito menos cafés queimados. A vida não requeria mais saltos altos ou olhares forçados para impressionar alguém que não merece; algumas juras de 22 meses atrás foram quebradas assim como a penitência pré-páscoa, mas as pessoas são fracas, elas mentem para si mesmas e erram. Várias vezes nessa existência. Mas dessa vez sem cometer erros (de propósito pelo menos).  As noites viram bem dormidas, mas a mente continua conturbada; quem sabe álcool com Von Trier ajude, mas não vem ao caso, escrevo frases tortas com batom na parede para que pelo menos alguém entenda essa referência.

Um filme com Bill Murray

 Ela já o esperava, recostada na parede lendo um pocket book , não estava maquiada, mas possuía o cabelo penteado e a boca semicerrada, os hábitos haviam mudado. Nem se deu ao luxo de fingir surpresa, felicidade ou sequer desprezo quando ele passa pela porta, um sorriso educado e sincero o recolhe.   O isqueiro na mão e um maço de cigarros que ela gosta, assim que ele a cumprimenta, com um olhar oferecendo a nicotina.   Ela sorri de novo.   - Não fumo mais querido.   - Mentira. Você sempre volta.  - Não dessa vez. Troquei um vício por outro.  Se perguntou por dois segundos o que era, mas a resposta correta e óbvia era açúcar. Se ele percebesse como ao longo das duas horas que se passaram a maneira em como ela sempre mastigava ou uma bala ou um pedaço de bolo teria se tocado, mas ninguém estava afim de brincar de detetive.   Por algumas vezes ela teve a sensação de que ele ia beijar, por outras ele achou que devia fazê-lo, mas ninguém comentou nada. Ela contou suas viagen

Porque vamos terminar a garrafa - Jeans Azuis

 Toda garota se dá ao luxo de hesitar de vez em quando, normalmente é durante a madrugada, naqueles momentos em que o sono não vem. E então músicas tristes do Guns 'n' Roses ou Lana del Rey tocam no rádio e o aperto chega na boca do estômago, e nem se quer tentar dormir ajuda, só piora, pois o tempo passa mais rápido e o cansaço se esvai. Toda uma rotina de sono vai para o lixo. É o menor dos problemas, tendo em vista que se procurar há outros motivos para se estressar. Passado, presente e futuro. Somente um caderno de capa preta sabe disso tudo, alguns rapazes já tentaram lê-lo enquanto ela o guardava debaixo do travesseiro, os choros desesperados implorando por amor tentavam se transformar em poesia, mas nunca mais deu certo.

Altar Particular

 - Mas o que houve?  - O de sempre. Gostei dela, ganhei um beijo e então me apaixonei.  - E ela?  - Tá com um namorado agora.  Mas isso já era história velha, agora as lágrimas eram apenas um sorriso saudosista, não faz bem para ninguém colecionar corações partidos.  - Mas sou muito nova para me amargurar. - Afirmou Bruna.  - Com certeza você é.  E aconteceu tudo de novo, só que dessa vez ganhou algo a mais que um beijo; um número de celular e endereço eletrônico, assim como a promessa de um novo amor. Foram lindos os poemas e os beijos guardados para quando a nova menina de sua vida voltasse para a sua cidade. Se faziam mil e uma juras; como fariam amor sob a meia luz e como leriam Drummond e passeariam pelo largo e então terminariam a noite na James.  Mas pra quem se iludiu uma vez, a segunda vem de lavada.  E mais lágrimas, mais paixões e outra troca por outra pessoa; nem ficou para esperar dessa vez, só saiu a procura do próximo item em sua coleção.

Bilhetes de celular

 Aprendeu a distinguir em sua curta experiencia sexual sexo de amor. Sexo, era a transa. O dilema eterno sobre poder e orgasmos, onde duas pessoas em sua plena intimidade trocavam suor, fluidos e gritos roucos.  Amor era a intimidade em forma de carinho, os olhos abertos olhando para o (outrora) amado que esse lhe sorria de volta. Ele em cima dela, a abraçando.   Sexo, era ele em cima dela, a mordendo.   Sentia falta do amor. Mais pelo fato de que ficaram meses sem, porém nunca mais que duas semanas sem matarem aula para ela ir pra casa dele. Não conseguia mais se lembrar de quando foi que descobriu que amava ele. Não sabia se foi um belo dia que acordou com esse segredo ou se foi realmente quando ele a penetrou pela primeira vez, rompendo-lhe o hímen com o maior cuidado que ela percebeu. Agora não faz mais diferença. Somente uma memória daquele amor obscuro e complicado ainda vive, o primeiro amor é sempre o mais intenso, esperamos que o segundo seja tranquilo. Mas muito cedo ain

Porque vamos terminar a garrafa - Anotações de madrugada

Se ela fosse bela ou alguma coisa que não ordinária, outra pessoa além de mim já teria falado sobre. Ainda era escuro quando acordou e continuava escuro quando saiu de casa, somente quando chegou no ponto de ônibus que clareou um pouco, mas Curitiba estava opaca com a neblina. - Neblina é bom. - disse para si mesma - significa que o sol vai sair.   Era uma noticia boa, levando em conta que ela vestia saia e sandálias. Por mais que vestisse roupas compridas e leves, ela ainda morria de pudor. Atos que ao meio dia ela faria normalmente ao começo da manha viravam tabus. Levantar a saia para subir as escadas ou atravessar um gramado ou até mesmo jogar os cabelos para os lados na função de que sequem mais rápido, porém nos momentos em que a Mateus Leme esta deserta e Curitiba esta tétrica, o medo brota.   Maldito machismo!  Ela andava num ritmo tranquilo, por mais que seus ombros estivessem tesos e sua boca seca. Nao é dificil adivinhar que ela estava apaixonada, por um garoto otimo

Safe & Sound

 Me vesti da mesma maneira que ela havia. Um vestido vermelho, saltos pratas e o cabelo solto. A diferença estava nos nossos estilos; ela estava muito mais formal, o vestido justo com costas abertas e ela penteava os cabelos, sempre fui a Hippie da dupla enquanto ela era muito mais planejadora e inteligente que eu.  Não havia passado rímel ou delineador, não queria ter ficado borrada, um vestido que a delineava perfeitamente quando molhado, provavelmente deve ter sido a cena de filme que ela sempre quis; um breve desvio do caminho para a formatura e então pular da mesma represa que sempre passávamos na frente. Ela deixou uma carta, linda, intimista, pedindo desculpas por me deixar sozinha mas que sabia que eu iria aguentar. Aguentei, pessimamente, mas aguentei.   Mas era aniversário, então sentei na represa pensando em como tudo tinha sido, amizades deixam um gosto doce e tranquilo quando acabam. Tudo muito melodramático, mas era assim que ela gostava, mas ainda bem que não tinha

Com todas as Regalias - 5

Nynia Vishnya  Odeio ter que tratar com formalidade. Não nascemos para isso, você sabe. Não vou pedir desculpas por essas cartas, nós sabemos como me sinto em relação a ti, mas você nunca acreditou. Nina, menina Nina, nunca te deixaria ser a Outra. Você me fez ignorar os meus quarenta anos, dos quais cinco deles foram obcecados por você. É muita maldade tua.  Espero que te doa o coração ao ler essa carta. Não é maldade, quero que sintas a mesma saudade que eu. Minha esposa sabe de você; ela me sorri com tristeza e pena, sabe como homem de meia idade funciona, me faz passar o máximo de tempo possível com os garotos, ri das minhas piadas. Ela ainda é minha melhor amiga, sabe. Coisa que você nunca foi. Nunca seremos amigos, por isso você é inteligente em me ignorar. Mentira, você é estúpida e mesquinha. Sei que pensa em mim da mesma maneira que penso em ti. Sofrer não é bonito garota, por favor, vivamos uma história bela dessa vez.  Mas eu te entendo, sei que vai me ignorar e guardar

Segredo de Folia

 - Vamos lá, tente adivinhar.  - Ainda preciso de um nome.  - Colombina. Acho que vou te chamar de Pierrot.  E saiu por aí com o penteado alto e a saia rodada. Dançou algumas músicas comigo, outras com outros, mas nenhuma das lentas foi em minha companhia. De hora em hora um mulato de terno de linho branco e gravata vermelha com lenço combinando; se aprochegava, sussurrava algo nos ouvidos daquela loira e depois saia deixando ela com um sorriso. Depois disso ela me retornava e me manchava a boca com aquele batom vermelho de sabor de amora. Claro que eu vi a mesma cor no terno branco do Malandro. Eu não esperava nada, sabia que Colombina ficava com Arlequim, mas o Pierrot ganha alguns beijos no meio do caminho. 

Como diria Jorge Maravilha

 Vestiu a blusa decotada e colorida, uma rasteira bonita, prendeu os cabelos e se foi. Cantava o sambinha e dançava o pagode, a morena se divertia. Jogava a cabeça pra trás e rebolava com as amigas. Sempre dando risada, mas quando parava de rir não sorria.  Passaram no boteco depois, onde dois violões improvisavam, ofereceram uma serenata para as moças que somente ignoraram. Duas tinham namorado, e a outra olhava pela janela apaixonada, segurava o celular pensando que talvez desse tempo pra ele ligar pra ela, mas era carnaval. Então só olhou as estrelas mais um pouco e voltou pra casa.  Mais amigos acompanharam, beberam cerveja e cachaça, ela dançava descoordenada, achando graça da vida. Dorme no sofá e acorda antes das oito da manhã, faz o café e come rocambole, com o celular ainda na mão. Segunda de carnaval, tem mais dois churrascos para ir. Nada na piscina, faz a maionese e samba de biquíni. Consegue descansar na rede e acorda revigorada. Terça-feira inteira no carro para volt