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Mostrando postagens de janeiro, 2013

Medo Da Chuva

 - Vai ir embora então? - A voz dela soluçava.  - Sabe que tenho.  - Não, não sei.  - Pare de chorar, querida...  - Não me chame assim! Você não sabe se estou chorando.  Mas ele sabia. Não via o rosto dela. Mas sabia. Afinal, garota mais sentimental e manhosa nunca existiu. Deitou do lado dela e a abraçou.  Ela o empurrou.  - Por que você vai?  - Você precisa que eu vá. Lembra?  - Eu aguento.  - Sabemos que você não é tão forte, não é?  - Posso fingir...  - É pedir demais de ambos.  - Me avise se ficar com outra garota?  - Por quê?  - Já que to ruim. Posso ficar pior.  - Pra quê? Ter motivos para se matar?  - Talvez. Sabe, você não pode ir embora.  - Por quê?  - Simplesmente não pode. Não deixo.  - Amor... Tenho que ir.  - Vai voltar dessa vez?  - Não sei. Realmente não sei.  - É o quê? Dar uma de Freebird?  - Não, acho que a música tema para agora é aquela do Raul.  - Metamorfose?  - Não, a sobre a esposa...  - Então sou eu o problema?  - Nós somos. Juntos

Bleed for me, And I'll die for you.

 - Uma chance em oito. Morrer ou viver. O quê quer?  - Viver é claro.  - Vai aceitar a chance?  - Não. Ignorar a sua proposta. Assim tenho mais chances de viver.  - Ok então.  A encaro. Encaro a arma de seu pai. Encaro o sorriso despreocupado dela. Engraçado como ela sempre consegue manter uma imparcialidade inacreditável.  - Vai tentar?  - Sim, só estou esperando.  - O quê?  - Isso.  E o cuco cuca. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Onze cucadas.  - Por que não espera até a meia noite?  - Muito previsível.  Então, os vinte segundos a seguir passam em câmera lenta. Ela respirando fundo e tirando a trava da arma. Coloca uma bala aleatória e gira o compartimento de armazenamento. Ele trava. Ela não sabe manejar armas.  Luiza coloca a arma na mesa. Me beija. Os mesmos beijos de sempre, únicos, calorosos. Mas dessa vez ela rouba a minha aliança.  - Por que disso querida?  - Se eu morrer, você não vai mais poder se chamar de viúvo.  Eu engulo a lág

Um segundo mais velha

 - Por quê eu não amadureço mãe?  - Porque não deu tempo, pequena. - A mulher riu e sorriu para a criança.  - Deu sim. Eu to mais velha.  - Sério? Quanto tempo.  - Alguns segundos. Pode ver, que eu cresci! - A garota se esticou para mostrar.  - Vamos medir então?  A menininha correu para pegar a fita métrica. Pediu para a mãe segurar a ponta. Ela o fez. Noventa e oito centímetros.  - Desculpa querida, você não cresceu. - Beijou a testa da filha.  - Certeza???? Mede de novo!  O fizeram de novo. A garota ficou na ponta dos pés dessa vez. A mãe segurando o riso.  - E agora??  - Um metro e dois centímetros.  - Agora estou mais madura?  - Não sei... Tem que ver pelo seu comportamento.  - Agora estou mais madura? - Fez cara e voz de séria.  - Acho que sim, filha.  - Senhorita.  - Acho que sim, senhorita Alice.  - Obrigada.  Ela passou o resto do dia brincando de escritório. Pegou os papéis, as bonecas e ensinou todas como se faz para grampear as folhas. A mãe olhava e sorr

O cachorro inteligente

 - Quem você é? O sujo ou o mal lavado?  - Qual a diferença?  - O sujo, ou se esqueceu de se lavar, ou não tentou. Já o mal lavado, até tentou se lavar, mas não conseguiu. Ou então, somente fingiu limpar-se.  - Tenho que escolher entre ser o desistente e o mentiroso ou entre o esquecido e o fracassado, é isso?  - Também pode escolher entre ser o desistente e o fracassado e o mentiroso e o esquecido.  - Parabéns Márcio. És mais filósofo que muitos marxistas.  - Quem disse que não sou?  Olharam para a garrafa de Macallan e riram.  - Mas então... Prefiro ser o mal lavado. Prefiro ser o mentiroso.  - Por quê?  - Sabe, é uma questão de orgulho. Digo, pelo menos tentei sabe? E a questão é... Mentir é poder manipular, manipular é poder.  - Vai fazer o quê? Virar um Vargas? Viver do poder e morrer sem ninguém tendo uma dica de seus ideais?  - Não é sobre morrer ou ter o poder. É sobre estar no controle. Mesmo que ninguém saiba.  - Hm, continue.  - Vi um filme esses dias. A "

Violetas velhas sem um colibri

 Por dois segundos eu esperei que algo fosse acontecer. Que ele daria de costas, me diria alguma coisa. Ficou quieto. Eu fiquei quieto. Ele foi embora e eu fiquei. Se me perguntarem o porque, direi que foi por orgulho. Sendo que na realidade foi muito mais. Entenda, não suportei a ideia de ser abandonado. Não quis pensar em ficar sozinho. Então, foi assim. Fiquei sentado por meia hora, olhando o jardim. Zé Ramalho me veio na cabeça.  *"Há meros devaneios tolos a me torturar"*  Muito mais do que justo. Digo, fiquei pensando em como fiz tudo errado. Demorou, mas percebi que foi ele. Valeu a pena.   Uns dois anos se passaram. Tentei me matar algumas vezes. Não segui em frente. Uma pena. Fazer o quê? Admitir a derrota é um passo para a grandeza, certo?

Além de palavras bonitas: desfechos

 - Por que tanto Uísque Giovana? Quer se matar, querida?  A mulher riu, e serviu um copo para o marido. O copo sambou em sua mão.  - Termine a garrafa comigo, amor.  - Se você insiste...  - Como foi na editora? - Ela sorria. Como Arnando tinha sentido falta daquele sorriso. Ele gostava dela bêbada. Ficava sincera. Era uma pena que não gostava de beber.  - Foi bem. Compraram o livro.  - Que surpresa... Me beije.  Ele a beijou de leve. Ela o puxou para junto, quase sufocando-o.  - Calma mulher. Respire fundo.  - Não quero oxigênio... Quero você. - Então se debruçou para cima dele e caiu. Começou a soluçar baixo.  "a desgraçada, aprendeu a mentir alcoolizada."  - Vou te fazer algo para comer.  A levou até a cozinha, e começou a fazer uma omelete. Eles comeram em silêncio.  - Sabe... - Ela disse enquanto limpava a boca com um guardanapo. - O Lúcio me falou. Que você falou com ele.  - Ah, quais as suas observações?  - Você podia ser menos patético não é? Ou menos cl

Além de palavras bonitas: um pouco de justiça.

 - Lúcio?  - Quem é o senhor?  - Ah, não se lembra de mim. - Sorriu ironicamente o homem. - Também, porque deveria? Dormiu com minha mulher, não comigo.  - Ah... Você é o Arnando? Que nome horrível.  - Também acho. Posso me sentar?  - O quê você quer?  - Por enquanto, me sentar. Me serve uma bebida?  - Se eu não tiver?  - Saberei que está mentindo. Afinal isso é um bar. Bares sempre tem bebida.  - Uísque?  - Com gelo.  - Vou te acompanhar.  Beberam em silêncio. O rapaz teso. O homem sorrindo.  - O quê você quer?  - Conversar sobre minha esposa.  - Não vejo ela há 3 meses.  - Sei disso.  - Se ela estiver te traindo, não é comigo.  - Ela deve estar. Mas a questão não é essa.  - É qual?  - Ela não está mais feliz. Não é na questão sexual.  - É o quê? Emocional?  - Basicamente.  - Por quê?  - Ela sente sua falta.  - Como sabe que é a minha? Ela me traia também, sabe? Somos um casal de cornos.  - Você deu um medalhão, pra ela, certo? Um de bijuteria. Prata barata.

Um pouco de motivo, mais um monte de drama.

 "Sai da minha casa." "Demorou para mandar." "SAI. LOGO. DAQUI."  - Foi a última coisa que falei com o meu pai naquele ano. Digo, nem lembro direito porque ele me mandou embora. Foi por causa do jantar. Eu queria macarrão e ele frango. Ou vice-versa. O foda foi que, realmente, apesar de eu ter sido uma péssima filha e tudo, não só naquele dia, mas em geral, eu era horrível. Implicava, retrucava. Sumia. Etc, mas é que...  - Você não acha que é justo um pai simplesmente expulsar a filha?  - Não, isso eu entendo, Doutora. Mas, só não sei por que ele me odiava, sabe? Sempre quis perguntar isso pra ele. Nunca o fiz.  - Por que não pergunta?  - Orgulho e raiva. Entende, ser odiada pelo único homem que tinha a obrigação de me amar... Deixa uma cicatriz.  - Já parou para pensar que talvez ele não te odeie? Que ele somente seja muito muito péssimo com sentimentos? E você como uma adolescente na época, entendeu errado?  - Já. Cogitei essa hipótese.  - E?  -

Bem-me-quer, Mal-me-quer

 - O quê o senhor procura? - Perguntou a atendente bonita.  - Dois ramalhetes.  - Um pra esposa e um para a amante?  - Não! - Respondeu o homem, ofendido. - Um para minha mãe e um para minha filha.   - Ah, perdão - Ela respondeu, olhando para baixo e sorrindo, envergonhada. - É costume perguntar isso quando um homem pede dois arranjos. O quê pretende dar para elas? Qual a ocasião?  - Aniversário da minha mãe e formatura da minha filha. Ensino médio.  - Tem uma foto delas?  E ele mostrou. Foto dele abraçado com a mãe, uma senhora aparentemente simpática. E uma foto da filha sorrindo. Roqueira/gótica. Sabrina sorriu.   - Dê tulipas para sua filha. Brancas. E para sua mãe, Lírios.  Ele o fez.  ***  - Sabrina. Quanto tempo...  - Pois é Jorge. Vai querer o quê?  - O de sempre...  - Você sabe não é? Tem que superá-la.   - É mais difícil do que você pensa.   - Eu sei querido... Buquê de cravos então?  - Claro...  - Trinta reais.   - Obrigada.   O Senho

Never really awake, Never really asleep

 - Sabe. Ter insônia não é legal. É muito diferente dos filmes.  - Ah, você realmente achou que se tivesse insônia ia virar um Tyler Durden e criar o Clube da Luta? Ou ser o "Driver"? Muita ingenuidade. Insônia é sinônimo de problemas não resolvidos. Resolva-os e volte a dormir.  - Tirou todo o romance da coisa.  - Honestamente? Não vejo nada de romântico em ter olheiras.

A garota, O menino e o escritor

 - Seus textos melhoraram, sabia? Orgulhoso.  - Haha, obrigada.  - Só posso fazer uma pergunta?  - Acabou de fazer.  - Engraçadinha. Mas sério, por que você não escreve como se fosse a garota?  - Como assim?  - Nos seus textos... Você sempre escreve no ponto de vista masculino. Ou quase sempre. Por que isso?  - Dois motivos: tabus e simplicidade. É muito mais fácil escrever como um homem. Digo, o quê garotas são? Em geral?  - Complicadas.  - Então. Isso é muito chato. Confuso. Uma garota, ou mulher, não pode simplesmente estar feliz ou triste. Sempre tem que ter um porque, uma razão, uma causa. Nunca é sim ou não. É sempre talvez. Isso é muito irritante.  - Então eu sou uma garota, e você um homem.  - Não, somos adolescentes. Não conta. Somos complicados e dramáticos por essência.  - Você parece ser mais velha.  - Realmente, vou começar a passar mais hidratante, como mamãe mandou.

31 de março de 1964

 "Foi muito rápido. Me lembro disso. Num dia estávamos todos tensos. No outro, meu pai e minha mãe me mandaram para a casa dos meus tios e fugiram. Itália, se não me engano. Me lembro de tudo. Não importa quantos anos passem. O homem simpático e com a farda do exército que foi até lá em casa. Me perguntou sobre tudo. O quê eu fazia. Presença dos meus pai no partido comunista. Nem sabia o quê era aquilo naquela idade. Não é certo uma criança de dez anos ter os pais foragidos e ser interrogada. Não é certo com qualquer um. Mas com dez anos, foi horrível.  Cinco anos depois. Eles voltaram para casa. Me lembro de ter chorado. Muito. Eu sabia que eles voltaram por minha causa, alguém falou para eles que eu tinha sido tomada pelos militares. Em questão de dias, papai sumiu. Depois levaram mamãe e eu. Não chorei mais desde então.   Fiquei lá por somente duas semanas, não meses que nem meus pais. Claro, que quando saí fui para o partido. Se em somente catorze dias eu perdi toda a minh

Me ligue mais uma vez, tentarei não atender.

 - Sabe o quão desnecessário é você me chamar?  - Bastante. Acho que tenho uma noção.  - Bom saber que você se diverte em me manipular assim.  - Ah, por favor não aja como se eu fizesse de propósito.  - Eu meio que te vendi a minha alma sabe? Dei ela em troca por companhia e calor. Quão patético isso soa?  - Bastante... Ta me chamando de demônio? Não pedi sua alma sabe? Só seu coração.  - Ficou com os dois.  - Ainda não sei o porquê.  - Bem, se você não sabe agora não vai saber mais. De novo, é desnecessário.  - Ah, desistiu de mim?  - Não tenho certeza ainda. Mas só sei que vou embora.  - Me ama?  - Amo, mas vou do mesmo jeito.  - Por quê?  - Um pouco de desapego faz bem.  - Quer provar o quê a quem?  - Que eu consigo viver sem você.  - Meu deus, sério? Sabe o quão clichê isso soa?  - Eu sou um garoto que se apaixonou. Sou clichê. Você é fria. Eu sou desesperado. Somos quase tão clichês quanto o "felizes para sempre". Acho que devido à época que nascemos, s

Jogo de palavras

 - Vida?  - Frenética.  - Realidade?  - Lenta.  - Cigarros?  - Café.  - Amor?  - Fantasia.  - Mãe?  - Metallica.  - Cocaína?  - Ozzy.  - Morcegos?  - Ratos.  - Ricos?  - Corruptos.  - Políticos?  - Corruptos também.  - Bukowski?  - Má-qualidade.  - Veríssimo.  - Crítica.  - Felicidade?  - Você.  - Tristeza?  - Solidão.  - Solidão?  - Conforto.  - Conforto?  - Nós.

Ensaios sobre Ovos Mexidos. (título provisório de yesterday)

 Why she had to go I don't know...  Se existe algum trecho de música que sempre me comoveu, foi esse. Afinal... É verdade. Como é que eu iria saber o porquê dela ir embora? As coisas... Só foram dando errado. Não falamos mais sobre isso. e assim continuou tudo. Uma mentirinha pequena de cada  vez.  She couldn't say Porque é sempre assim. Devo milhares de respostas. E ela nenhuma.    I said something wrong.    Provavelmente. Mulheres são irracionais, mas não para tanto.   And Now I long for yesterday.  Essa é a pior parte. Sinto falta de brigar com ela ao invés de ter que ficar longe.  Love was such and easy game to play Mentira. Era complicado. Sempre querendo deixá-la feliz e tudo. Me esforçando pra caralho. Só pra ter ela sorrindo. Agora vejo que Love is a losing game. Droga. Estou misturando as músicas.
 - Põe na conta, Zé.  - Já é dia 31. Hora de pagar a conta.  - Ah sim... Quanto ficou?   - Cento e dezoito reais.  - Toma. - Joguei duas notas de cem. - Coloca crédito pro mês que vem.   - Não faço isso. Uma garrafa de vodca então?  - Fique com o troco.    E então cruzei a esquina e sentei na porteira de casa. A única coisa boa dessa casa caindo aos pedaços de velha. Uma porteira.  Eu, a garrafa e a noite. Uma vantagem sobre ser um homem feio e corpulento. Ninguém se incomoda contigo. Meia noite, eu sozinho. E surpreendentemente seguro. Entediado, abro a garrafa. Uma mulher se aproxima de mim. Deve ser uma meretriz. Ninguém com senso falaria comigo.   - Oi.   - Oi. Tá tudo bem?   - Sim, por quê?  - Um homem. Sozinho... Ninguém deve ficar sozinho de noite... - Ao falar isso, ela começa a acariciar meu joelho.   - Acredite, se eu quisesse pagar por sexo, te procuraria, querida.  Foi-se embora. Me xingando provavelmente. Afinal, um homem na minha posição não dev

Algo além de palavras bonitas: Companhia

 Lá estava ele. O lobo solitário. Tocava violino. Desde que leu Sherlock Holmes pela primeira vez, decidiu duas coisas: Ser escritor e tocar violino. Teve sucesso em ambas.  Porém não na vida amorosa.  Tão compenetrado na composição, nem viu ou fingiu não ver que sua esposa o observava, com orgulho, pena e culpa. Para àquela mulher se sentir culpada, é porque ela fez algo muito ruim.  - Cada vez que te vejo, você toca melhor, sabia querido?  - Não te ouvi aí. - Ele respondeu, de costas.  - Não quis te interromper.  - Terminou com eles?  - Sim.  - Todos?  - Mm-hm.  - Até o Lúcio?  Ela hesitou. Respirou fundo. Mas confirmou.  Ele voltou a tocar. Uma melodia lenta, triste. Porém complexa. Ela entendeu aquilo como um reflexo de si mesma. Se sentiu lisonjeada.  - Por que terminou com ele?  - Porque eu te amo...  - Não minta pra mim. - Virou-se para ela, e pela primeira vez em duas semanas, olhou a esposa. Se lembrou de ter se apaixonado por ela. Alta, esguia, olhos profundos,

Geração Flex

 - Sinto falta da década de cinquenta...  - Nem se quer a sua mãe tinha nascido lá, criança.  - Ah, o principio é o mesmo.  - Ok, qual o motivo desse saudosismo falso?  - Cigarros.  - Você não fuma.  - Só porque não tenho idade.  - Mentira. Você é da geração politicamente correta. Você não vai fumar porque mata árvores. E nem fazer piada de mau gosto. Cara, como sua vida vai ser chata.  - Hahaha, hilário você. Eu não sou politicamente correta.  - Prove.  - Eu já bebi.  - Ok, estou perdendo meu tempo. Enfim, me diga ó destemida mulher, porque você tanto adora a década de cinquenta.  - Pin Ups.  - Ok. Ótimo motivo.  - Qual a piada?  - Nenhuma, só acho que você realmente está certa. Pin Ups são maravilhosas.  - Sem sarcasmo nem ironia?  - Sim, só uma observação...  - Qual?  - Nunca te vi com batom vermelho sequer.

De Tarantino a comédias românticas.

 - Se lembra de como as coisas começaram?  - Aham. Você me trocou pelo seu amigo.  - Não como elas começaram desde o começo. Como elas começaram quando começaram de verdade.  - Ahm? Com um café e cinismo?  - Não, com textos e comparações lisonjeiras.  - Ah sim, você me comparou com Tarantino, certo? Obrigada por aquilo.  - E você retribuiu. Disse que nós éramos como prosa corrida. Textos cativantes. Tarantino.  - Sim... Por que está lembrando disso?  - Para comparar aquele "eu e você" com o nosso "nós" de agora. Afinal, você conseguiu colocar um anel no meu dedo.  - Isso é algo ruim? Posso pegar de volta.  - Nunca me arrependi. De nada do que fizemos.  - Então por que está falando de nós agora, como se fosse algo ruim?  - Antes éramos Tarantino e cafés. Agora somos comédias românticas e suco.  - Ah, também assistimos algumas séries dramáticas...  - Antes você era cavaleiro, e eu interessante.  - Ainda sou cavaleiro.  - Mas agora eu sou dramática e ac

Mini Punk Junkie

 - Aprendeu a tocar?  - Estou numa banda, não é?  - Estar numa banda não implica que você toque bem.  - Mas ainda assim, estou numa banda.  - Como se sente?  - Um passo mais perto de ser uma RockStar.  - Você toca o quê mesmo?  - Violão e baixo.  - Sexy.  - Todos tocam violão.  - Mas uma garota que toca baixo é sexy.  - Nem tanto.  - Você é sexy.  - Só por que toco baixo?  - Independente disso.  - Já conversamos. Eu não vou ficar contigo. Tenho namorado.  - Ah, a esperança é a última que morre.  - Você é insuportável, sabia?  - Mas você continua conversando comigo.  - Pega mal se eu simplesmente parar de conversar com o meu agente.  - Você acha que faria sucesso se eu não gostasse de você?  - Não faço sucesso de qualquer jeito. Entre ganhar noventa e noventa e cinco reais por show, não vejo muita diferença.

Family Portrait

 - Sabe, ainda me lembro do nosso primeiro encontro.  - O quê você se lembra dele?  - Você ainda sorria.  - Ah, de novo isso não...  - Vamos lá querida, me diga. Por que não é mais feliz?  - Eu sou feliz. Só não perto de você.  Foi assim que começou, eu acho. Digo, deve ter começado antes. O importante é: depois desse dia, perdi a minha esposa. Ela começou a me trair. Devia me trair antes, mas parou de esconder pelo menos. Comecei a publicar textos nos jornais sendo as diretas mais escrachadas. Afinal, tem vantagens em ser escritor. Não terminamos.  Mas começamos a dormir em quartos separados.  Vivo bêbado, menos quando ela vê. E por assim vai. Sorrimos nas reuniões de família. Nos abraçamos perto dos nossos filhos. Mas é só isso. Por isso mal posso esperar para que Márcia vá para a faculdade.  Então poderei parar de tocar essa megera que já amei.  Só foi uma pena ter pago pela cirurgia nos seios dela. Nunca toquei neles novos.

De uma a outra.

 Passou metade do tempo em que estava internada imaginando o próprio velório. A outra metade se dividiu entre novelas, novelos de lã e visita dos parentes. Dona Xica, ou Francisca Gonlez, sempre foi uma senhora realista. Ainda mais porque a idade servia bem nela. Setenta e oito anos, analfabeta. Mas a sua neta caçula sempre lia para ela. No dia em questão, haviam acabado O Tempo e o Vento. Beatriz, além de sua neta, era afilhada. Era a favorita da vó. Todos sabiam disso. Mas também, foi a única que fez companhia para a velha nos anos finais. Ela estava lá quanto teve o ataque cardíaco, e estava segurando a mão dela quando ela morreu. Bia estava grávida ainda quando D. Xica morreu. Chorou. E do choro, rompeu a bolsa. Foi uma sorte que ela já estava no hospital.  Uma garota linda e saudável, apesar da prematuridade (nasceu com 8 meses) nasceu. Sem nem hesitar, deu o nome de Francisca para a pequena criança. Ficou com a casa da vó como herança. Criou sua filha com os mesmos valores que f

Devaneios sobre um passado perdido

 - Por isso que você quis que ela ficasse? Ela lhe facilitava as coisas?  - Não só por isso. Mas esse é parte do motivo. Sabe, viver em si era mais fácil perto dela.  - Por favor, abandone os clichês nessa hora. Você vai acabar se matando.  - Ou são os clichês, ou as bebidas. Trocar um vício por outro.  - Qual o vício original? Antes dela?  - Bolinhas de gude. Adorava brincar com elas. Então, Martha pediu para eu parar para começar a brincar com ela. Brincamos por quinze anos.   - Parou para pensar, que não tinha nenhum vício antes dela?  - E sou eu quem usa os clichês?   - Você está com o coração partido. Eu não.