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Mostrando postagens de junho, 2014

Porque vamos terminar a garrafa - As Horas

 O mundo será salvo pelos escritores. Não os pesquisadores apenas, mas principalmente a literatura. Aqueles que estão em tamanha agonia tentando capturar todos os momentos e as sensações do mundo que completamente se esquecem de si mesmos. As criaturas que sonham com a marginalidade somente para serem esquecidas, principalmente por si mesmos.  Ou será o oposto? Será que no fim das contas a literatura, como a poesia (principalmente a poesia, está para nascer algo mais prepotente e narcisista que o eu-lírico ) é somente o suspiro agoniado de um ser que se sente esquecido. De um ser que anseia para sair da margem, tentando se exibir, mas de maneira sutil e discreta, não como um pavão, mas sim com a sutileza da hipocrisia e falsa modéstia.  Mas, e se por essa mesma raça desgraçada o mundo for destruído? No meio de tanta agonia e de sentimentos expressos; um lugar onde até poltronas conseguem possuir uma história. Utopia para uns, perdição para vários.  Ninguém além desses mesmos estão d

49 (mais 17) músicas

 E foi muito devagar. Ele apareceu do nada, com calma; me olhando discreto mas tomando todo o cuidado para eu perceber. Me beijou tranquilo, dando tempo para eu me apaixonar, e nos caminhos da universidade ele sempre deu um jeito de me encontrar.  O que era pra ser fácil e tranquilo se mostrou no começo confuso. Ficava a noite inteira em claro, com os pés pra cima apoiados na parede e a cabeça pendurada pra baixo na cama. Foram três semanas relembrando todas as feridas. As causadas e sofridas.  Na quarta semana a vida ficou tranquila, pisquei um dia e deitei no colo. Cabeça descansando naquele peito, como uma canção de Buarque. Ouvi falar tantas vezes que era feio, tinha que saber se comportar, mas não parecia errado. Fechei os olhos e os abri, re-lembrando das mágoas.   Teve um dia que quase saí para matar e evitar todas, aconteceram, o que as impedia de voltarem? Sentar no balcão sujo de um bar e sumir pelo final de semana, quem sabe mandaria a mensagem?  Mas com a mesma cal

Porque vamos terminar a garrafa - Bebendo aos poucos.

 Se despediu no tubo do biarticulado, com o a sombra do sorriso dele na boca. Era uma caminhada de meia hora até sua casa, seria cinco minutos de ônibus; mas deu a volta e levou uma hora e quinze minutos. A rua estava quieta, o dia estava escuro às cinco da tarde, mas a vida estava com muita delicadeza para ter medo.   Reparou nas casas bonitas que havia na ciclovia, e pela primeira vez realmente sentou e encarou o muro grafitado que havia perto do museu e nos casais que preenchiam a praça.  Uma garota de meia calça rasgada vestindo a camisa de um garoto que agora só usava uma regata. Outro par, não tão bonito quanto o primeiro, dando risada e tocando violão; ainda tinha o menino feio sentado num canto com um caderno amassado e com páginas ressecadas como se houvessem sido encharcadas.  "talvez ele o tenha jogado numa poça d'água num momento de revolta, mas se arrependeu" e ela compreendia aquele arrependimento.   Entrou no bosque, sabia que não devia, não àquel

Desatinou-se

 Num canto da cidade ela passava o batom escuro e colocava os brincos de argola; pensava no que ia fazer, ainda estava indecisa entre uma cerveja ou uma dança. Trocou a calça de couro por uma saia rodada e foi para o samba.   Em outro lugar ele ligava para Rose, perguntando de Marina, se ia para o centro ou outro lugar.   - Vai pro Palco, mas a namorada é tua, tu não devia saber?  Riu da ironia, bebeu um trago e saiu em busca.  Ela dançava com um mulato que naqueles quadris se enlaçava, ela olhava para cima dando risada e mostrando o rebolado pra quem quisesse pudesse olhar; tirou o chapéu branco de faixa vermelha da careca morena e vestiu-o.   Acabou o samba.  - Mais um! - Ela berrou. Então finalmente o encarou. O menino havia quebrado o acordo.  Quinze dias sem se ver para ela decidir foi o combinado. Ela falou, ele concordou. Ele não cumpriu.  Benedito cheirava o pescoço de quem falou que se chamava Laura. Morena bonita, dançava como deusa, pernas longas e ria e sor

A rainha dos lazarentos

Havia um negro sentado num canto escuro do ônibus. Homem corpulento, de olho esbugalhado e dentes amarelos. A janela que uma madame (provavelmente pegando o ônibus para fazer alguma espécie de aventura) respingava a gélida garoa Curitibana no rosto do pobre carpinteiro, esse por sua vez encarava o chão da Padre Agostinho e como ele ficava embaçado pela velocidade do ligeirinho. - Com licença,  senhora.  - uma voz doce pediu - Está realmente muito frio. Se incomodaria de fechar a janela? - Imagine meu bem. Nem percebi que estava incomodando. E dos 24 lugares vazios que havia no ônibus,  ela se senta naquele canto escuro no fundo. Cheirava à fruta vermelha e anis e lia um livro. O inclinava um pouco para a esquerda,  para que o passageiro ao seu lado pudesse ler algo e atiçar a curiosidade. Funcionou. - Sobre o que é esse livro moça? - Sobre o retrato de um rei e um casal na guerra dos Emboabas. - História da minha terra. Os olhos azuis maquiados sorriem para ele. - É de Minas?

Senti a sua falta José (Cuervo); ou Griottines Azedas

 A meia hora que levei para decidir se iria embora, ou te esperaria acordar foi torturante. Passei um café no filtro, pois partir sem deixar uma lembrança é maldade. Ainda seria pelo menos uma semana longe, isso se um de nós não mudasse de ideia.   A chaleira apitou e o apartamento inteiro ecoou. Nas pontas dos pés fui confirmar o seu sono. O coração batia acelerado naquele lar que não pertencia à mim. A nuca arrepiada com os pés descalços no azulejo, mas quieta eu estava. E você, peregrino, não estava lá.  Voltei sorrateira, já com a minha calça pendurada nos braços e a sapatilha na mão; e no corredor você sai da porta do banheiro, com os mesmos olhos esperançosos e calmos da noite passada.   - Eu posso fingir que não te vi e te deixar ir embora.  Te beijo a nuca, roubo-lhe uma xícara e vou-me mundo a fora.