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Mostrando postagens de julho, 2013

Um Jeito Estúpido de Amar

  Ainda usa saia rodada, algumas décadas atrasada mas lá está. Deitada em meu ombro e quase amortecendo meu braço. Uma voz melosa, até demais suspira meu nome apaixonada. Tem dezoito anos só na carteira de identidade.  Se estica e tenta roubar um beijo. E de novo. E de novo. Eu deixo, afinal, pra isso estou aqui certo? Coloco meu braço em volta quase que mecanicamente e respiro fundo. O suficiente para ela se aconchegar e cair no sono. E há algo de lindo nela quieta. Posso ficar sozinho. Do lado dela, uma sensação gostosa até; cabelos perfumados, face serena e meus pensamentos quietos. Pena que ela teria que acordar.

Chico Buarque me lembra de ti.

 - Eu te amo. Amo te beijar. Amo tudo isso.  - Me ama como?  - Amando. Daquela maneira poética.  - Me beija como?  - Um beijo profundo e intenso.  - Querendo mais?  - Aham.  - Sabia. Não me beija por beijar, beija porque quer algo mais.  - E é lá culpa minha? Você é mulher feita já, não te trato mais como garota.  - Por que não? Quero manha.  - Mimada.  - Você me mimou.  - Você que me mimou.  - Eu? Como?  - Me ensinando que há partes melhores que o beijo.  - Tirou o meu mimo. Vou tirar o seu.  - Duvido.  Vestiu o vestido e saiu da casa do namorado. Deixando a calcinha pra trás.

Se eu pudesse, tomaria chá flutuando sobre o universo.

 - Sofri demais por amor, quero viajar!  Um suspiro e um rodopio, oh Nina, tão sonhadora.  Viajaria se pudesse, se tivesse a coragem. Amaria o homem que lhe desse um beijo sem descer as mãos da cintura.  Os cabelos pretos desbotando, combinando com a saia rodada e a camisa amarrada na barriga, nada mais importava naquele momento para a moça. A grama molhada com orvalho e indo para o bar enquanto o sol se punha. Quem antes cantava Tim Maia agora começava com Metallica, se vestia para o show. Batom vermelho, cabelos bagunçados e olhos negros.  Oh Nina, tão fingida.  E se sentava no balcão, e olhava para todos. Beijava todos. Mas no fim da noite, mais de alguns pares de mão tinham passado por seu sutiã e uns vários desceram dos quadris. De noite, finge que nada aconteceu. Toma banho e dorme.  No colégio, passava o dia desenhando. Como desenhava, as linhas leves e delicadas que combinavam com as músicas em sua cabeça. Pintava o cabelo da Rita Lee, os óculos de Lennon, a boca de Steve

Somente um convite para um blues.

 Algumas notas de dois reais espalhadas no criado mudo junto com o que em algum momento foi um relógio decoram o que deveria ser um quarto de algo que deveria ser um hotel, mas pela diária miníma e a ausência de banheiro espelunca era um bom termo. Mais que o suficiente para o jovem apaixonado; apaixonado pela cidade, pelas luzes, pelos cafés sujos e pelas mulheres distantes. Coques, rabos de cavalo e cabelos lisos como os de índia, saias-lápis e saltos agulha, o ar de desprezo e de superioridade eram a cereja com chantili do sorvete.  Os tons de cinza em todo o lugar! Ó bela aquarela deforme em sua forma monocromática, é assim que a cidade nos contagia; sua toxicidade no ar, o perigo no trânsito e a ameaça de morte em mulheres de terno. O céu nebuloso que nem nos deixa perceber quando a noite cai para os demônios poderem sair, os botecos temáticos na sexta feira a noite; doses de tequila, chopps exóticos e a vodca barata. Todos esses ingredientes pintam e decoram a sanidade humana, t

You were made to go out and get her

 "Did I leave a bad taste in your mouth?"  A voz do Bono junto com a melodia fácil de U2. No sofá de um apartamento qualquer se encontra largado um garoto. A garrafa que bebia escondido, com vergonha por não ter suportado tudo aquilo e por estar alcoolizado com somente um copo de bebida.  - Com uma dose de vodca te conquistei, com uma garrafa inteira te perdi. - Começa o que deveria ser um monólogo. Seria um, interessante até, porém existem lagrimas bêbadas para isso.  "I wish I was him, cause this words are mine"  Uma garota chora encolhida em sua cama ouvindo isso. Comparando tudo com a música romântica da banda.  - Você nunca disse essas palavras.  No meio de pleno Bigorrilho, uma guitarra começa a tocar alguns acordes desafinados, tentando fazer algo original e bonito; enquanto no Batel um travesseiro era borrado de rímel. Era péssimo ser a mocinha esperando. Era pior ainda ser o cara que tem que fazer algo.

você é a linda mulher dos poemas que nunca escrevi.

 - Pare de chorar, não gosto de te ver chorando.  - Por quê?  - Não combina contigo.  A abraço. Sinto o cheiro de banho recém-tomado que ela sempre tinha quando vinha me ver. Pegava três ônibus, cruzava a cidade e ainda era perfumada. Impossível essa garota.   Olhando para trás agora, percebo que eu devia ter dito algo pra ela, afinal lá estava ela, de coração partido e partindo o meu com as lágrimas. Realmente, a sombra melancólica da cidade com o frio refletido nas gotas na face da menina não combinavam com ela. Mas eu não iria mentir pra ela dizendo que ia beijá-la mais uma vez ou pelo menos ficar na cidade. Ela merecia a chance de aprender a me odiar.

Vamos deixar tudo como está, sem desistir nem tentar.

 Um homem e um homem em formação sentavam juntos no bar, em uma mesa perto de um canto, do lado do aquecedor. O primeiro tinha trinta e dois anos, barba cerrada, carreira formada e uma conta razoável no banco; o segundo, olhos brilhantes e agudos, um rosto liso e juvenil e vinte e cinco anos. Um era um cirurgião plástico de renome entre as mulheres que temiam a menopausa, o outro apenas tentando a vida em qualquer coisa.  Meia hora entre uísque e cerveja preta foi o que bastou para que algum abrisse a boca.  - Sente falta dela?  - Não. - E o rapaz repetiu a pergunta.  - Claro que não, diabos.  Ambos sabiam que a resposta era mentira. Três dias depois do velório e ainda estavam de luto; claro se você fosse parente isso seria mais que normal, agora se você não a visse por mais de meses, seria estranho.  - Quanto tempo ficaram juntos?  - Menos que vocês.  - Ela te falou sobre mim?  - Uhum.  - O quê ela te falou sobre mim?  - Acredite em mim doutor. Você não quer saber.  Nem um

Amor, você não é Fitzgerald

 Um cigarro caindo na boca do homem. Cinzas equilibradas na barba espessa e descabelada. Caderno universitário apoiado na perna cruzada e por aí segue-se o estereotipo. Sentado no balcão de um café que ele não pode pagar, escrevia desesperadamente, afinal seu pastel e café pingado dependiam disso. Me perguntem companheiros, o quê ele fazia em um lugar onde um Latte (não existe café com leite lá) custa R$ 7,00 o pequeno e R$ 12,00 o grande? Era irmão da atendente.  - Como vai o romance?  - Péssimo. - Ele engole um copo de café e nem olha pra ela. - Mas estou em outro conto.  - Ué, não ia fazer a obra da sua vida?  Ele tinha vinte anos.  - Não tenho dinheiro pra isso.  - Nunca vai ficar famoso na base de contos.  - Quem disse que eu quero ficar famoso?  - Qual um ponto de um livro se ninguém ler?  Ignorou ela, fingindo que não escutou, como todo gênio estava absorto em seus pensamentos. Afinal, tinha seu romance praticamente pronto. Um garoto que se apaixona não só por uma menin

Germany is happy and gay

 - Vamos lá, o que tem em mente?  - Strudel de maçã, chantili e leite.  - Você não devia odiar isso?  - Por quê?  - Ah, sua família não foi perseguida ou algo assim?  - Por isso mesmo, esse sou eu tendo a minha vingança.

Sob as madeixas em seus cabelos

 - Por que tanto anda na chuva?  - É bonito.  Era surpreendente a naturalidade que ela respondia. Tudo na realidade. Todas as perguntas, inquisições, como se não tivesse nada a esconder. Um sorriso de boneca e um olhar escondido na franja volumosa, lábios pintados de laranja terminavam a fotografia perfeita.  Continuávamos andando com calma e tranquilidade, somente esperando o pôr-do-sol. Ela me disse uma vez "adoro solstício de inverno, assim não preciso acordar as cinco da manhã para ver o sol nascer". Se eu perguntasse o porquê, ela me diria, é claro, é bonito.  Tudo para ela era belo. As flores no mato, uma camisinha furada na calçada, mas principalmente o escarlate brilhante do sangue jorrando. Em filmes e fotos. Ela se deliciava, os olhos brilhavam com a cena. Já cheguei ao ponto de me perguntar se ela se masturbava durante a menstruação; porém não cabia a mim contestá-la, afinal todo garoto apaixonado consegue ser mais idiota que o normal.

Sem Açúcar, Sem Afeto.

 E acorda o velho militar. Somente mais um aposentado cínico com o mundo, ex-coronel e respeitado.   Desde seus tempos como cabo acordava cedo, um hábito em que quase todas suas filhas tinham, menos a mais velha.   Mônica era uma mulher já, seus vinte e dois anos, quase formada e eleita oradora de classe. Inteligente, beleza clássica de cabelos castanhos retos e bem-mantidos (hábito do pai).   Helena tinha acabado de passar no vestibular e viajava. Estava em Paris com a mãe. Sonhava em ser arquiteta e fotógrafa. Com certeza era a mais bonita de todas as filhas, pintava o cabelo, passava maquiagem, mas sem tudo isso era esguia e delicada. Maravilhosa.  E havia Denise, apenas um ano mais nova que Helena. Cinco mais nova que Mônica. Trinta mais nova que sua mãe. Tinha os cabelos arrepiados do pai, a tendência a engordar da mãe e um talento que ninguém viu. Naquela família, linda onde todos se adoravam e eram extraordinários em algo, ela era em tudo e nada. Não se aprofundava e

Com o sangue em suas mãos e a pinga na boca, o gaúcho voltou da guerra.

 - Ninguém mente como a mulher brasileira.  - Calúnia, ninguém ama como a mulher brasileira. Ninguém mente como o homem brasileiro. Longe de ser nossa culpa se vocês não resistem à um par de pernas mulatas com saia vermelha. - Ela olha para baixo, sugestivamente.  - Manipulam homens como à cães.  - Manipular é diferente de mentir, querido. Não prometemos nada que não damos. Juramos amor, e amamos até o fim. Homens juram amor, e em um certo tempo, param. Se vocês não conseguem resistir à um par de seios, dificilmente é nossa culpa.  - Mas se cedemos à tentação, é nossa culpa.  - Se vocês nos embebedam e chamam isso de tudo bem, com certeza é.

Smoking with Marlon Brando

 O quê imaginamos? O fade in delicado e a boca vermelha destacada nas sombras. O suficiente para arrebatar qualquer um. E a câmera delicadamente mostra o colo e as pernas; que se descruzam e cruzam de volta. Um cigarro manchado de carmim queimando-se na mesa.  És a musa dos intelectuais, dos garotos brincando de artistas.  - Pinte-me da cor da década de vinte e me dê uma cigarreira. Sombra escura e cabelo enrolado bastam? Me chame de mistress, mais bonito que amante ou acompanhante. Quem sabe até lhe deixarei me dar diamantes ao invés de dinheiro?  No final a pagaria com palavras e amor. Melhor do que sexo, pois há um "eu te amo" no meio.  Quem ser esse monstro? Esse ser com lábios de açúcar com veneno? Sangue de vodca e corpo de música? A moça que nunca teremos se não pagarmos senhores.

It's Alright

 Numa casa de chá agradável se encontra um antigo casal. Um lugar arejado e bonito, onde os com poder aquisitivo suficiente se encontram para comer quitutes e se deliciar com refinadas bebidas quentes; mas não esse ex-casal nesse dia de primavera.  Há mais de um ano não se viam, ele estava mais alto, cabelo mais comprido e um pouco mais moreno, provavelmente devido ao serviço ao exército.  Ela o oposto, mais branquinha, mais delicada. Tinha engordado, mas não o suficiente para ficar feia. Difícil aquela garota ficar feia, apesar de tudo. Um sorriso tímido brotando do lado direito da bochecha, nunca esquerdo. Ele demorou pra aprender, se fosse esquerdo ela estava forçando o sorriso. Descobriu isso tarde demais. Dez minutos esperando e ela chega.  - Como você tá?  - Bem.  - De verdade?  - Não.  - Me desculpa por isso.  E é claro que ele desculpou. Mais de quinze meses sem vê-la foi o suficiente para perdoar todo e qualquer machucado. Se sararam foram outros quinhentos.  - E você