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A nostalgia do que não li

 Uma criança linda se agarrava ao cachorro de pelúcia como se sua vida dependesse disso. Todos os seus movimentos eram em torno daquele braço direito que imitava uma asa com o boneco dentro. Sua mãe seguia, segurando-a pela touquinha do moletom que vestia com a mesma naturalidade de quem é levado por um cachorro travesso que avista um ciclista passando. Claro que com muito mais cuidado. Vejo Laura se envolvendo com aquele momento, deixando que toda a subjetividade daquilo tudo, com suas mil e uma metáforas fosse absorvida, e eu fiquei lá esperando a frase de efeito que quebraria o silêncio.  - É engraçado como cigarros são considerados vícios, mas essas obsessões infantis não.  - Crianças lá podem discernir o que é vício ou não?  - E uma garota de treze anos revoltada com a vida pode? É o mesmo tipo de critério completamente arbitrário que determina para quem a culpa vai durante um encontro, ou pior, abuso sexual. O tipo de dependência que aquele menino tem daquele cachorrinho é
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Porque vamos terminar a garrafa - Vinagre

Nos momentos em que o Sol escondido nas nuvens parece a Lua, e que a Lua durante a noite ofusca a visão como um corpo celeste de brilho próprio é que nos vemos como contempladores. Os aviões no céu brincando com a noção de perspectiva do movimento terrestre, e todos os sentimentos que se tem a necessidade de expressar e que a habilidade nos falta. A habilidade de parar e apreciar. Não foi até eu perceber que em plenas férias estava correndo que percebi que tinha um problema. Enquanto teoricamente aproveitava o sol e um bom café no terraço, dava cada tragada com força e pressa. Não eram a pressa e angústia de quem queria sorvar o máximo do momento, como as pessoas gulosas pela vida. Era somente a ansiedade de quem tinha algo para fazer. Uma viagem para planejar, pessoas para conhecer, amigos para consolar. Todos os verbos no infinito possíveis, como que se estivessem indicando algo relacionado ao futuro.  Foi um esforço consciente ter que me permitir aproveitar as sensações daqueles

Vamos terminar a garrafa - NPC

- Sabe, mesmo que você realmente seja um idiota, mesmo que eu deveras me machuque. Isso nunca vai ser minha culpa. É um defeito seu se você me machucar, e uma qualidade minha eu pular de cabeça. Nunca pedirei desculpas por correr em direção o pôr do sol. Com um sorriso sereno, ela fala isso com toda  simplicidade do mundo na mesa do bar, entendia que precisava dar essa certeza para as pessoas, a certeza de que ela compreendia que tudo era efêmero e que estava preparada para um coração partido. Antes fosse pose tudo isso, lhe facilitaria a vida. Se ela realmente pudesse se culpar, pudesse se fazer de mártir muitas de suas dores seriam justificadas. Mas não, ela tinha essa consciência de suas escolhas. Sabia diferenciar quando alguém lhe alimentava expectativas e quando ela criava elas mesmas. Tão atenta de si, mas tão atrapalhada. Oblíqua ao mundo a sua volta, nunca sabia quando estavam gostando dela e por isso nunca sabia quando magoava alguém. - Não, na realidade você foi bem cu

Estrada Revolucionária

 Já estava planejado, os convidados chegariam às 17:30, logo antes do pôr do sol na orla, onde as cortinas translúcidas fariam sua função de impedir a cegueira mas não a beleza. Na sacada haveria um sofá de vime e um balde com gelo e vinho branco e a sala de jantar estaria decorada com crisântemos vermelhos e brancos enquanto haveria um samba tocando, uma homenagem a bossa nova da zona sul; contudo ainda faltavam dez horas para o acontecimento. José já tinha levantado duas horas antes, então Marieta aproveitou os seus momentos sozinha antes da bagunça cotidiana. O quarto sempre se conservava branco e azul, mantendo algum efeito terapêutico calmante.   - Parece um valium.   Foi a reação do marido quando a decoração ficou pronta, alguns anos antes ela teria dado risada, mas décadas envelhecem o humor.  - Valium e viagra.  Ele não tinha ficado magoado com o comentário, essas leves humilhações já tinham virado um hábito dela.  Lavou o rosto e molhou alguns fios de cabelo da

Leblon Holiday

 - Está sentindo isso? Nós nesse momento somos eternos.  O sol brilhava janela afora, iluminando uma das garotas mais bonitas que eu já tinha visto. Ela sorria enquanto o cabelo loiro refletia todo o brilho que entrava no meu quartinho azul.  Todo o seu esforço para recriar a cena daquele filme adolescente era verdadeiramente adorável, e não todo em vão. Apenas uma pena que a espontaneidade estava sumindo.  Pulou para fora da cama e correu para o banho, no meio tempo eu me sentei na minha escrivaninha, abri o notebook e comecei a escrever.  Uma página e meia depois ela voltou, se sentou na mesa do lado do computador e retomou a leitura de um livro de poesia, deve ter lido o equivalente a uma estrofe antes de apoiar a perna e me interromper.  - Como és tão produtivo?  - Apenas sendo.  - Hmm, eu tento apenas ser e não consigo. - Se sentou de joelhos na mesa, frustrada, exigindo que eu desviasse meu olhar para ela.  - Tem que se livrar dos seus vícios.  - Todos eles?

Barbárie (a trilha sonora)

 Estava com o cabelo oleoso de pós chuva, o moletom velho e a camiseta favorita de gola cortada. Já não era o ser humano mais atraente do mundo contudo o seu estilo que sempre a salvou; o delineado bem feito nos olhos e a boca pintada ora de vermelho, ora de laranja eram o que a destacavam, de outro modo ela somente se misturava à paisagem.  Em uma mesa estava junto de outros quatro conhecidos que calorosamente discutiam cinema e literatura, e por mais que adorasse esses tópicos estava quieta naquela noite, apenas ouvindo enquanto um deles endeusava Clube da Luta enquanto contava a história para aqueles que não conheciam.  - His Name is Robert Paulson! - O rapaz exclamava animado, esperando que todos reconhecessem a referência.  Bárbara apenas soltou algumas palavras e um comentário de vez em quando sobre a situação, fez uma piada sobre catarse e um comentário sobre The Pixies, ambos geraram risadas, fazendo com que ela sucedesse nessa interação social.   Assistiu o come

Bárbara

 Não há Pôr-do-sol em Curitiba, ela escreveu num fôlego rápido enquanto esperava o ônibus na ainda vazia e nebulosa Getúlio Vargas vespertina; por mais que o sol ainda não houvesse nascido, o pensamento servia tanto para a aurora quanto o crepúsculo.   É perigoso isso, a baixa incidência de sol. Não há divisão dos turnos, o dia só é menos escuro do que a noite, o que é ideal para vampiros, mas não para garotas. It’s indeed a dangerous time for dreamers .  Teve que reescrever no celular, a caligrafia no ônibus era hedionda; guardou a caneta em um bolso específico da mochila e pegou o aparato eletrônico com pressa, afinal a inspiração era como um fôlego efêmero, poderia ir embora tão rápido quando chegou; o que era terrível para pessoas que se distraiam muito.    A tão chamada cidade dos poetas. Tivemos Leminksi, Trevisan e Perneta, mas nenhum Bandeira, Drummond, Vinicius de Moraes ou Gregório de Mattos, sem o sol para inspirá-los se sucederam bem para temas mundanos e espirituais,