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Barbárie (a trilha sonora)

 Estava com o cabelo oleoso de pós chuva, o moletom velho e a camiseta favorita de gola cortada. Já não era o ser humano mais atraente do mundo contudo o seu estilo que sempre a salvou; o delineado bem feito nos olhos e a boca pintada ora de vermelho, ora de laranja eram o que a destacavam, de outro modo ela somente se misturava à paisagem.
 Em uma mesa estava junto de outros quatro conhecidos que calorosamente discutiam cinema e literatura, e por mais que adorasse esses tópicos estava quieta naquela noite, apenas ouvindo enquanto um deles endeusava Clube da Luta enquanto contava a história para aqueles que não conheciam.
 - His Name is Robert Paulson! - O rapaz exclamava animado, esperando que todos reconhecessem a referência.
 Bárbara apenas soltou algumas palavras e um comentário de vez em quando sobre a situação, fez uma piada sobre catarse e um comentário sobre The Pixies, ambos geraram risadas, fazendo com que ela sucedesse nessa interação social. 
 Assistiu o começo da aula de análise literária e deu risada dos comentários do professor sobre literatura nordestina, porém não adicionou nenhuma opinião como de costume. Não falou de Graciliano Ramos  ou  de Jorge Amado; apenas sorriu escondendo algum tipo de decepção que não estava explícita.
 Quinze minutos depois se levantou, pegou a mochila e saiu para a vida noturna do centro. Sentia as lágrimas vindo em seu rosto junto com a necessidade de se esquecer de o que quer que tenha dado aquele aperto. Decidiu vagar, esperando que algo ou alguém que não fosse ela decidisse o que aconteceria em seguida.
 Atravessou a reitoria como se estivesse procurando alguém, ou esperando que alguém aparecesse, qualquer uma das três pessoas que tinha em mente serviria, uma principalmente; precisava de alguém que fosse ouvir o pedido de socorro antes de ser dito.
 Desceu duas quadras e pegou uma mesa em algum canto do bar, pediu uma dose de cachaça e uma garrafa de cerveja para descer, afinal eram efetivas para apagar as memórias.
 Mandou algumas mensagens para algumas pessoas tentando fazer com que alguém percebesse que não estava bem, contudo como não tinha nenhum 505 escrito o pedido de ajuda não foi atendido. Irônicamente na balada do lado tocava a música homônima de Arctic Monkeys.
 Ainda tinha o copo cheio de caipirinha quando passou na frente de uma farmácia. Fez as contas sobre quantas aspirinas e resfenóis seriam necessários para 300 ml de destilados. Comprou duas caixas de cada por via das dúvidas e foi andando para casa passando pelos pedaços perigosos. 
 Ligou Lana del Rey para tocar no celular enquanto caminhava pelas calçadas do centro, tropeçando de vez em quando, parte por causa do álcool, parte pela falta de vontade. 
 - Kiss me hard before you go... - Sussurrou para si mesma, mas um pedinte deve ter ouvido pois a encarou quando ela passou.
 Ao avançar três quadras da farmácia o copo já estava vazio e abandonado em alguma lixeira e a cabeça estava tonta e o fôlego inconstante, queria chorar mas estava completamente sozinha em meio a multidão. Digitou três dos oito algarismos no celular, o suficiente para aparecer o nome dele nas opções de contato. Olhou para a sacola repleta de doses de paracetamol e pensou sobre o que diria. Seria uma despedida? Um pedido de socorro? Perdão?
 Desligou o celular para evitar ainda mais dúvidas. 
 Eram três da manhã e ela estava na esquina de casa já. Nem sentiu os cinco quilômetros de caminhada, mas também não era como se estivesse em um passo apressado.
 Se sentou na calçada enquanto pensava em tudo aquilo e em tudo que tinha que fazer. Tinha que terminar com certas pessoas, voltar com uma outra. Imprimir o rascunho da monografia, trocar o papel de parede da sala, lavar a louça e (talvez) voltar com o psicólogo, talvez arranjasse um novo. 
 Tentou lembrar de personalidades que falaram sobre o suicídio, como se fosse um fim definitivo para um problema temporário e outras frases de auto ajuda. Não sabia se queria se sentir melhor ou pior consigo mesma. 
 Já era a vez de Tom Waits na soundtrack e ainda não tinha decidido. Pensou nos trinta reais gastos em remédios e nos vinte em bebida, não queria jogar um décimo do seu salário de estagiária no lixo. 
 Acabaram as músicas e estava exausta. O mundo girou um pouco quando ficou de pé, e então ela prendeu o cabelo em um coque enquanto esperava o vômito. Tinha que ir pra casa, tinha coisas para fazer. 
 Atravessou a rua enjoada e cambaleando, ofuscada pela luz do Land Rover que vinha em sua direção.

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