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Mostrando postagens de dezembro, 2013

to Orsay and Louvre

 Eu me mudei para Paris por causa dela. Claro que a cidade em si é maravilhosa, me conquistou como uma lata de sardinhas conquista um gato, mas ela era a cadela no cio que atrai os cachorros, não que ela fosse uma bitch  mas era irresistível.  A conheci num museu, não vou citar aqui o nome por questões éticas, mas era um desses grandes e famosos, lotados de turistas, garotas russas e japonesas tirando fotos com flash ao lado de Van Gogh e Monet e turistas italianos furando filas. Em uma sessão havia o nascimento de Vênus, noutra as artes decorativas; e ela no meio do caminho. A pele lisa, branca, firme e perfeita; lábios delineados por artistas e as ondas vívidas do cabelo. Ela era a minha Afrodite.   Duas vezes por semana ao mínimo eu voltava pra lá. Ser crítico de artes ajudava muito o meu trabalho, e eu tinha a sorte de sempre encontrá-la. Ficava horas a observando, a amando em silêncio, ela devia ter notado, mas se notou não demonstrou nada, só ficou impassível, neutra, linda.

que les rêves deviennent réalité

 Ela guardou as lágrimas para o trem. Chorou baixo, mas caíram lágrimas o suficiente para um rapaz notar.   - Tout va bien?  Um rapaz francês.  - Je ne parle pas français.  Ele poderia ter ficado, perguntado se falava inglês ou outra língua, ou quem sabe ainda ter sorrido e só feito companhia? Ela teria o beijado facilmente, deitado em seu colo e tido sua segunda aventura na europa; ainda bem que não o fez. A primeira aventura não tinha acabado bem. 

When you've got time

Setembro  A pele fica ressecada e os lábios rachados. A garganta se tranca com o frio e os dedos parecem que vão cair (normalmente não caem) a dor do frio é uma das piores. Ela te queima e não passa, pode pular ou mover as extremidades do corpo o quanto quiser que só piora. Um momento da vida em que você fica feliz que o lábio ressecado sangra, pois esquenta uma partícula de tecido. Antes fosse que se enrolar em cobertor fizesse efeito, mas como a malha só mantém o calor ela só te deixa vivo por mais tempo. Janeiro  Uma moeda dentro do copo me acorda (tenho sorte ou azar de ter um de metal) e vejo três reais. Almoço hoje no parque e aproveito para comprar uns cigarros, mas uma garota bonita da universidade do lado da Eufrásio me dá metade de um maço de Malboro Vermelho e me sinto como se ganhei na loteria. Pelos cigarros mesmo, já passei daquela fase em que você fica feliz com um sorriso gentil. Sentimentos não pagam e nem se quer colocam comida na sua barriga, aquela história

Anoitecer as 4 da tarde

 As mulheres de salto me intimidam, os garotos de cachecol me impressionam. Compro um moletom por cinco libras e me satisfaço. Elas me encaram, eles me ignoram. Mas por um chá sofisticado e batons fortes tudo vale a pena. Fecho os olhos e me lembro da terra dos tupiniquins, abro eles e vejo a King's Cross.

British boys don't do it better.

 Os feijões agridoces acompanham o pudding em um Pub, alguns comem isso, outros peixe frito e batatas. A chuva cai devagar enquanto o vento sopra frio como os infernos (não que essa expressão faça algum sentido). Uma garota maquiada que trabalha no bar ri da piada de algum cliente enquanto enche o copo de cerveja mordendo os lábios, compreendo ela; difícil resistir à olhos azuis. Sento sozinha bebericando alguma bebida fermentada que não é cerveja (não sei o que diabos ale  significa) e espero que minha irmã chegue no horário dessa vez, ok entendo que ela esteja noiva, mas fiquei 13 horas num avião e três num trem para visitar ela.   Ela chega três quartos de hora atrasada. Diz que sentia minha falta, nos abraçamos, conto como mamãe está (insuportável) e pedimos um chá.   - Você tem que provar o Earl Gray!   Mesmo falando em inglês ela ainda mantia aquele insuportável sotaque goiano. Olha, eu sempre fui uma garota caseira, vida mundana, ordinária. Me formei em direito, virei jui

Sobre Lulu Santos e Riffs de Guitarra.

 Charlie Brown Jr. tocando e as roupas se enfiando aos poucos na mochila. Duas calças, cinco regatas e oito calcinhas bastam. Um céu azul colaborando com tudo. Olho para a bagunça da sala; os resquícios do churrasco de despedida me suplicam por um trato, ignoro-os com a mesma frieza de um carrasco. Não ter bebido ontem a noite foi uma boa escolha, não iria aguentar a ressaca.  Já despedi de quem precisava ontem a noite, mamãe já sabe que se eu não ligar é pra ela me procurar.  Um, dois, respire fundo. Creedence Clearwater, Lynyrd Skynyrd, Dazaranha, e o que já estava no Ipod vão me guiar.  Deixo a bagunça sozinha com setenta reais para pagar a diarista, meus sapatos de salto ficam no fundo do baú (realmente tenho um baú ao invés de um guarda-roupas. São três na realidade) e volto para casa.

Valley Boy

 O gosto do cigarro que fumei essa manhã me acompanha de madrugada já. Garoa sobre os meus ombros, sobre os prédios e a rua solitária. Não me considero uma companhia muito boa.  Olho pra cima procurando alguma estrela, mas é claro a poluição não deixa. Trocamos oxigênio e constelações por arranha-céus e redes de celular. Oh deus, se soubéssemos. Me perguntaram se eu pudesse voltar no tempo o que eu faria, mataria o primeiro homem que cercou o primeiro pedaço de terra.  Pago setenta centavos num único cigarro em um boteco para perceber que ele estava úmido. Trago o negócio de qualquer jeito, acendendo ele com um garoto fumando maconha na esquina. Um ruivo de olhos azuis. Sento com ele e ele vai embora. Espero a noite passar antes de voltar para casa. Setenta e duas horas devem ser o suficiente para deixá-la preocupada.

Uma cama de pregos

 Ela se sentava na cozinha e olhava para a janela enquanto tomava o café, não sei o que reparei nela. Não foram os olhos, de uma cor normal, aquele castanho meio sem graça e os lábios ressecados. Uma expressão de que esperava algo acontecer, mas pelo pouco que já a conhecia sabia que não ia fazer nada. Ela me viu a vendo e não disse nada, encarou a xícara de café. Somente abaixou os olhos e jogou todo o cabelo para um lado. A maneira em que ela manejou o punho e segurou o cabelo me chamou a atenção, era delicada, mas firme, não deixando nenhuma madeixa cair no líquido quente.  - E então... - Começo a falar.  - Um café primeiro.  Me serve em uma xícara que tinha uma âncora desenhada enquanto tira as roupas dela do chão. E de novo reparo nos movimentos da garota, suaves e delicados. E ainda me encarava como se esperasse algo de mim. Termino o café, meio aguado. Ela se senta no meu balcão e sorri pra mim.  - Não lembra do meu nome, não é?

Ensaios de TPM

 Pior que coração partido ou que um passado mentido, uma garota de mau humor. Todos os raios de sol perdem cor, todos os doces o sabor para uma garota de mau humor. Os corações partidos retornam, os amargores voltam. Lágrimas não caem, mas berros saem. Precisava de mais! Merecia mais! Quero mais! Me deixem em paz!  Palavrões, mal educação, chingos e desespero. Estou de guerra contra o espelho (o de Machado de Assis mesmo). Música alta, grosseria, faz parte da rebeldia.  Ainda bem que um banho resolve tudo.

Os amores que a vida me deu e eu não pude viver

 Quando eu me apaixonei pela primeira vez, eu queria ser um espião e ela uma enfermeira. Nos nossos onze anos já discutíamos. Eu queria brincar que me machucava e ela cuidava de mim enquanto ela falava de como a gente faria, porque eu viajaria o mundo inteiro enquanto ela trabalharia no interior ajudando os velhinhos pobres. Crescemos um pouco, resolvi ser professor e ela começou a fazer voluntariado. Ela estudava, me perguntava onde eu ia prestar vestibular e resolvendo o nosso futuro. Eu só queria uns beijos no sofá. Ela sempre a frente, sendo Mônica e eu Eduardo. Eu disse tchau, sequei as lágrimas dela e fui embora.   Na segunda vez, eu não corri o risco. Me casei e fiz dois filhos. Melissa era um doce, fazia suspiro, bolo e feijoada. Me dava um beijo quando eu saia de casa e me recebia de tarde cheirando a perfume. Me recebia com mais carinho do que paixão na cama, era uma ótima esposa e péssima amiga. Não me deixava beber nem fumar, queria que eu corresse de manhã e comesse sal

Porque vamos terminar a garrafa. - Tipo assim Clarice Bean

 Queria ter paciência o suficiente para rodar a cidade a pé. Fôlego até que tenho, parando de vez em quando para dormir e tomar um gole de água ou suco de laranja todo mundo aguenta. Mas eu provavelmente iria começar a correr em algumas partes e me cansaria e irritaria, perdendo todo o propósito de uma peregrinagem. Estou longe de ser velha, sou criança ainda, mas uma criança preguiçosa. Me ocupo, arrumo a cozinha, danço sozinha. Pensamento viaja para onde não devia e me reprimo. Falo de ti para o espelho, conto tudo pra ele. Converso com ele, afinal não tem mais ninguém né? Ele me fala para eu ir correr, prefiro andar de bicicleta, mas essa infelizmente foi roubada. Caminhar não tem graça e estou sem fones de ouvido para ouvir música.  Realmente, sou preguiçosa.

Third time is to go.

 Se fez de dona do meu apartamento. Roubou minha camiseta e queimou o café, fez uma bagunça desgraçada. Não vi nada disso, mas conheço a dona do meu coração. Primeira vez que acordo e a vejo do meu lado. Pernas cruzadas, sorriso tranquilo me esperando despertado.  - Você aqui?  - Ué, tantas vezes que já me deitei na tua cama e ta surpreso que estou aqui?  - É a primeira vez que você fica aqui na manhã seguinte. Não tem mais ninguém hoje?  - Não seja malvado, você mesmo disse que podia. Você teve também outra moça.  - No singular, e você nem se quer se importou com o fato de eu quase me apaixonar.  - Claro que me importei. - Ela pula em cima de mim daquele jeito que pessoas de filmes fazem - Só que era segredo.  Não estava bravo. Só magoado. Faz parte não é? Uma dor aqui, outra lá, beijar outros lábios tentando esquecer. Tomo um gole do que quer que estava na sua caneca. Água.  - Ué, não fez café nem nada?  - Casa tua, suas regras.  E faço o café da manhã enquanto e

Traga-me um ramo de alecrim.

 Pouco se sabia dela. Ganhou o Camões e o Jabuti com seu romance "Lágrimas secas". Era jovem, sabia disso. Não se expunha em público, mas era bonita.   "Dizem que ela transa com todos os homens que vê" disse Marcos, da redação. Acho divertido colocarem essas coisas na minha cabeça no meu trabalho, não preciso dizer que estava nervoso, certo? Entendam que em 2013 o jornalismo estava começando a morrer, fazer perfis para jornais e revistas era quase desnecessário, mas esperança é a última que morre, certo?  Um sobradinho com jardim e flores é a residência dela. Aperto o botão do interfone.  - Quem é?   - Sou Rodrigo, vou fazer seu perfil.  - Ah, claro. - Portão destranca - A porta está aberta.   Entro e vejo dois beagles dormindo no canto, um deles me olha, vem até mim, me cheira e volta a dormir. Bato na porta e entro.  Me surpreendo com a casa, arejada e sem muita coisa. Um sofá, televisão, videogame e alguns quadros bem colocados. Tocava Rita Lee, pa

Pride (in the name of love)

 Seis e meia. O horário em que a maioria dos estudantes acorda, se moram perto do colégio (ou universidade, dependendo da faixa etária), em que os ônibus começam a lotar, as padarias a encherem e crianças (e adultos) reclamam de ter que acordar cedo. Um casal acorda no meio de toda essa bagunça. Um casal novo, sabem? Daqueles que não ta junto há muito tempo.   - Quem diria?  - Uma surpresa perfeita.   Fazem o café, com preguiça, meio cambaleando ainda. Um sorriso abobado na cara de cada um. Faz parte da vida. Ainda envergonhados da noite passada vão juntos para a faculdade, sem segurar mãos (não que fosse difícil deduzir) e não se veem até o final do dia. Roberto vai pra casa mais cedo, decidido contar para sua mãe que tinha se apaixonado por Ricardo.