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Sinhás



            A vida nunca me facilitou nada, acho que faz parte de ser negro, mas isso não me derrubou. Não consegui estudar, aprendi a ler e a escrever e tava ótimo, depois disso meu pai me ensinou a dirigir. Dirigia de tudo aos catorze anos; caminhão, caminhonete, motoca. Mas não queria ser caminhoneiro não, nordeste por si só já é quente, dentro duma cabine então? Trabalhei dois anos com ele, consegui um dinheiro já que só tinha que ajudar a pagar as contas e me mudei pro Alagoas, fui pra Maceió. Ainda era quente, mas pelo menos tinha mar e um primo de terceiro grau morando lá. Acho que era meu primo pelo menos.
             - Cumpadi, minha casa, tua casa. – Primo Beto me fala com um sorriso rosto e uma  cerveja na mão. – Entra aí, vai perder o jogo. Qualquer filho de Rosa é bem-vindo aqui.
            Sigo o conselho, pego minha bagagem da porteira e entro. Cinco maranhenses que nem eu (uns mais magros) me levantam a lata como se já soubessem quem eu era. Devia de ser tudo parente, familia de mamãe era grande.
            Termina o jogo e todos menos Beto vão embora, ele me entrega a última lata de cerveja e fala comigo enquanto corta um coco.
- Então rapaz, teve finalmente coragem de sair daquele fim de mundo?
            - Pois é,  acho que tentar ter um futuro é bom né?
            - Com certeza, mas sinceramente, olho no olho, tu podia ter encontrado uma cidade melhor. – Ele vira o coco de ponta cabeça numa jarra. – Maceió não é nenhum Rio de Janeiro, mas temos praias melhores e negas também, porém é cidade em que pobre só se fode.
            - Mas não é assim em tudo quanto é canto?
             - É esperto pelo menos. – Toma a água do coco inteira e me oferece um pouco, aceno que sim com a cabeça e ele começa a cortar outro. – Malandro é malandro e mane é mané. Tu já ta sendo melhor que os outros que vem aqui pra mim procurando emprego.
            - Quem disse que quero emprego?
            - Não quer?
            - Quero, mas não precisava que tu me arranjasse.
             - Parente é parente. Ajuda com o que der.
            - Como que tu sabe que sou teu parente?
            Ele suspira como se não quisesse contar aquela história, termina de cortar o Segundo coco e me aponta o facão torto.
            - Olha, não sei se você quer ouvir, mas vou falar pra tu já saber que tipo de homem que eu sou. – Me entrega o coco com um canudo dobravel. – Já comi muita mulher nessa vida, mais do que me orgulho, acredito que chega uma hora em que o homem perde a honra. E Rosa foi a mulher que eu tatuei no braço. Ela é mulher de verdade, e fez bem em me largar. Em parte to meio mal de você não ser meu filho, mas é da familia. Tua mãe te fez estudar?
            - Fez, mas meu pai me fez largar.
            - Tu fala muito certo pra ser analfabeto.
            - Mamãe me fez ler muito.
            - Rosa realmente era ótima. – E não sei se de propósito ou não, mas a camisa aberta dele caí e mostra a tatuagem de uma rosa no ombro dele. Acho que tinha algo escrito nela.
            E ele me leva pra andar pela Júlio Braga e me apresenta à vizinhança. Me leva até um sobrado pequeno com um jardim discreto. E sentada na mureta, conversando com um caboclo, uma morena me sorri.
            - Tua nova casa parceiro. – Ele conversa com a menina que abre mais ainda o sorriso, pula do muro e deixa o caboclo conversando com Beto.
            - Esse é o filho da Rosa, Betinho?
            - Maicon Roberto, teu dispor.
            E ela ri, ri vezes o suficiente para eu descobrir que gostava daquele sorriso. Cintura fina, coxas grossas e os cabelos cacheados. Ela cheirava à mar e à baunilha, Era linda, nunca vi mulher como ela. Ela tinha vida, tinha um sorriso aberto, tinha vontade de viver.
- Entra rapaz, vou te mostrar seu quarto.
Me apresentou a cozinha, que ficava do lado de uma varanda que tinha uma churrasqueira suja já. Cozinha branca, com vários panos de prato bordados de laranja e azul. A sala tinha dois sofas e ela me contou que eram três quartos na casa, um dela, o do irmão e agora o meu. Me deixa no quarto branco, tinha uma cama, um gaveteiro e um espelho.
- Meu nome é Sílvia. 

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