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Traga-me um ramo de alecrim.

 Pouco se sabia dela. Ganhou o Camões e o Jabuti com seu romance "Lágrimas secas". Era jovem, sabia disso. Não se expunha em público, mas era bonita. 
 "Dizem que ela transa com todos os homens que vê" disse Marcos, da redação. Acho divertido colocarem essas coisas na minha cabeça no meu trabalho, não preciso dizer que estava nervoso, certo? Entendam que em 2013 o jornalismo estava começando a morrer, fazer perfis para jornais e revistas era quase desnecessário, mas esperança é a última que morre, certo?
 Um sobradinho com jardim e flores é a residência dela. Aperto o botão do interfone.
 - Quem é? 
 - Sou Rodrigo, vou fazer seu perfil.
 - Ah, claro. - Portão destranca - A porta está aberta. 
 Entro e vejo dois beagles dormindo no canto, um deles me olha, vem até mim, me cheira e volta a dormir. Bato na porta e entro.
 Me surpreendo com a casa, arejada e sem muita coisa. Um sofá, televisão, videogame e alguns quadros bem colocados. Tocava Rita Lee, para toda a casa ouvir, mas não os vizinhos. 
 - Aqui na cozinha! - Ela grita.
 No caminho, vejo uma salamandra, que me encara e estica a língua, não sei se há algum verbo definido para isso, assustador de qualquer jeito. 
 E tenho a minha segunda (ou terceira, se contar o fato que achei que o cachorro ia me me morder). Eu sabia que ela era nova, mas não tanto. Não passava de vinte anos. Não era tão alta quanto parecia na TV, seus cabelos mais longos e volumosos que eu esperava. Mais bonita do que achei. 
 - Oi Rodrigo, sou Camila. - E ela me dá um sorriso que arruma a minha manhã.
 E a cozinha é linda, mais que ela. Nunca fui de reparar em decoração, mas tinha mil e uma ervas em potes de vidro, duas janelas enormes com temperos plantados nos parapeitos (é esse o nome, né?). Um aroma delicioso de cebola refogada  me faz ver que estou com fome. 
 - Pensei que se chamava Mônica, assinou seus livros com esse nome. - Ouso falar algo. 
 - Ah, normal. - Ela ri. - Camila Mônica Miranda, minha mãe queria Camila, meu pai Mônica. Não deu uma mistura muito boa mas é o suficiente para confundir os outros. Podemos começar a entrevista depois do almoço? Tenho panela no fogo e não quero errar o ponto. 
 Só me sento na bancada e tomo um copo de suco que ela me ofereceu, tentando conceber aquilo tudo. Uma garota que escreveu um livro que precisou ser adaptado por certos palavrões e conteúdo sexual era simplesmente chocante. A imagem dela era diferente da realidade, isso me fez divagar sobre mídia por uns instantes, até ela começar a por a mesa. Ajudo-a enquanto ela pergunta sobre mim, onde estudei e por que quis ser jornalista. Conversamos sobre música durante o almoço e ajudo ela a lavar a louça. Ainda meio constrangido com aquilo tudo, mas não importava. Precisava do perfil dela. 
 - Café ou chá? - Ela pergunta, tirando do fogo um bule com água quase fervente.
 - Chá, não tomo café. 
 - Hm, meu pai sempre me disse para não confiar num homem que não toma café. Chá do quê? 
 - Hortelã, por favor.
 Ela colhe algumas folhas frescas e coloca numa caneca dos Beatles com um pouco de mel. Toma o café dela enquanto me encara, como se ela tivesse que descobrir sobre mim. Não o contrário.
 - Podemos começar? - Ouso perguntar. 
 - Claro. - E sua postura se transforma. Antes o sorriso simpático e acolhedor se transforma em uma expressão austera e um sorriso mais formal. Me intimido mais um pouco do que já estava. Coração se agita e mãos suam. 
 Gaguejo alguma coisa enquanto ligo o gravador. 
 - Então Mônica, como você se sente em receber esses prêmios? Os mais importantes da literatura luso-brasileira.
 - Estou radiante. Deve ser essa a sensação de ver um filho crescer na vida. 
 E a entrevista continua. Ela dizendo que é blasfêmia a compararem com Bukowski ou Trevisan, que ela não via nenhuma beleza ou prazer na dor e na morte. Ainda séria, era jovem.
 Desliguei o gravador e perguntei a idade dela.
 - Vinte e quatro anos, acabei de me formar em Ciências Sociais.
 Perguntei quando ela queria sair comigo para um encontro. 
 - Isso já não é um?

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