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Sempre esconda algumas cartas nas suas mangas

 A biografia de um escritor sempre é um porre porque para cada fato simples que aconteceu temos um dom de adicionar várias linhas a mais porque infelizmente quantidade acaba contando para a qualidade do produto. Mas tem suas vantagens, afinal estar sozinho e triste é sinônimo de inspiração e estar de bom humor e tranquilo também.
 Podia começar escrevendo sobre os meus mil e um amores, e as mil e duas decepções. Podia falar em como foi viver de boemia, mas é tudo mentira. No fim das contas foram apenas 7300 dias realmente normais. Tiveram momentos ótimos e momentos péssimos, mas sempre aqui. Mas não vou fingir que foi ordinário.
 Nasci em Brasília, morei um pouco no Rio de Janeiro mas a minha adolescência e tentativa de virar homem foi em Curitiba. Cidade chuvosa do capeta, mas eu gostava. Ainda gosto, não saí daqui até agora por um motivo, passei alguns meses longe, mas voltei.
 Antes de pular para o final da minha fase de espinhas, temos que recapitular uma coisa; eu tive várias paixões, porém um único grande amor, era um amor bonito, de uma morena que abandonei no Rio. Banhado de retóricas e eu tentando ensinar sobre Bukowski e Sartre pra ela e ela me ensinando a sambar e se recusando a ler um homem que finge ser desgraçado para ser famoso. Infelizmente aprendi mais com ela do que ela comigo. Conheci ela com dez anos de idade, e fomos amigos por muito tempo, uma história bonitinha. Aos quinze, fui embora da cidade e deixei meu coração pra ela, prometendo que viraria Nando Reis para aprender a dizer que amava ela de uma forma bonita, mas enquanto isso não acontecia eu citava outros poetas, ela começou a ler Leminski, para saber como os poetas curitibanos funcionavam, com medo de que meu coração se congelasse com a geada, jurei que não aconteceria. Não parecia uma mentira na época, eu realmente acreditava naquilo. Acho que essa é a pior parte das pessoas, quando elas mentem de uma maneira que realmente machuca, elas mesmas acreditam na mentira. Serem ingênuas. Sempre fui, até parar de escrever para ela.
 Em Curitiba, as coisas eram muito diferentes do que na cidade maravilhosa, eu sempre adorei o sol e o céu azul, mas em questão de meses já não fazia tanta falta, contudo sempre andei de sandálias quando não tinha medo de perder as pontas dos pés. Realmente, longe dela eu era Nando Reis.
 Tocava algumas escalas no violão, tinha uma garota vestindo a minha camiseta do meu lado e um cigarro dependurado na boca com medo de cair na barba. A menina tinha pele branca e cabelo curto repicado, era bonita, mas não linda; era discreta e carinhosa, porém não amorosa e sorridente; conhecia as minhas referências, me levava para milhares de exposições em museus mas nunca quis descer para ver o sol.
 Foi um ensino médio normal, porres no final de semana, algumas reprovações e matar aula para fazer nada. Foi quando eu decidi que queria ser escritor.
 Nunca gostei de poesia, achava algo muito vago, sem pé nem cabeça. Nada contra o romance, longe disso porém acredito em objetividade (e aqui me encontro, tentando escrever algo sobre mim) e então me joguei de cabeça no submundo. Evitava a tão comum depressão noturna enquanto ficava no meu canto fazendo observações sobre as vidas alheias. Nunca cheguei a escrever sobre mim, sempre outros. Mas com os dezoito anos chega uma coisa chamada responsabilidade. Nunca consegui aturar.
 E vira algo sufocante, universidade de psicologia (sim, foi aquela velha história de resolver meus próprios problemas) e ter esquecido do meu amor de infância. Em algum momento, eu não pensava mais nela. Não me preocupava mais. Nunca me senti tão culpado. E nem sabia mais onde ela morava. Então, aos poucos foi virando uma coisa meio que apagada, mas nunca irrelevante.
 Queria poder dizer que corri atrás dela e que nós estamos casados agora, porém infelizmente essa biografia virou apenas outro conto de amor mal-resolvido.

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