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Os gigantes são moinhos de vento

Era previsível. Uma garota de classe média esperando para que algo acontecesse não que ela estivesse disposta a fazer algo para que isso acontecesse e eu como apenas mais um rapaz me apaixono, trinta anos na cara e podia já estar procurando uma mulher, mas como diz meu tio “só fica com mulher mais nova quem não tem capacidade de arranjar uma da sua idade” estava certo o velho diabo bêbado no fim das contas. Contentava-me em dois empregos de meio período, um em uma cafeteria e o outro num boteco. Porque em pleno século vinte e um ainda pretendo ser escritor, nunca publiquei nada e provavelmente nunca irei, mas tenho três cadernos repletos de rascunhos. Desses três, um inteiro era pra ela. Nunca a deixei ler, mas provavelmente a danada já tinha bisbilhotado, tanto que quando terminou comigo fez referencias maldosas sobre coisas que passamos. Não sei se era porque tinha uma memoria decente ou porque realmente havia lido, mas qual! Sou cismado. 
Conhecemo-nos quando eu estava procurando emprego na cafeteria, bem localizada em uma rua próxima de um sebo e de uma universidade; eu queria emprego e ela queria largar. Passou na faculdade e os pais não queriam que ela trabalhasse e estudasse ao mesmo tempo.
- Mais tempo para festas. – Foi a reação dela. Acho que foi nesse momento em que pensei que mergulhar na minha adolescência de novo seria uma boa ideia. Ela era uma ótima personagem.
Os cigarros manchados de batons de múltiplas cores, as roupas com aparência velha apesar de serem de marca, tudo isso transformava a minha musa. Eu pensava nela quando escrevia e quando a tinha em meus braços, além disso, o nosso relacionamento era inexistente. Não conhecia Graciliano Ramos ou Scorsese, sabia pouco sobre música nacional, nossos diálogos se baseavam na vida dela (ordinária por assim dizer), mas os poucos momentos em que ela fechava os belos lábios e me encarava com os olhos de ler revista eram o suficiente para três parágrafos. Nunca mais consegui escrever algo que não fosse sobre ela, sobre a garota dos cabelos brilhantes e de pele clara, sobre quem andava no escuro e não olhava pra trás. Era inveja, admito, se tivesse metade da coragem que ela tem dez anos atrás eu provavelmente teria uma situação financeira decente. Ou amor próprio.
Terminou comigo quando o sexo parou de ficar bom, quando ela não pulava mais na minha cama. 
- É a única coisa que nos unia baby. Acabou.
  Queria poder falar que chorei e que fiquei arrasado, daria uma história melhor, mas não foi assim; bebi algumas latas de cerveja, não cheguei ao ponto de ficar bêbado, e fui trabalhar. Foi uma noite interessante, comecei a reparar nas pessoas e comecei a ouvir os desastres dos meus clientes. Eram histórias realmente interessantes, como um homem que vendeu o fusca por trinta mil reais assumindo que era do Elvis ou uma garota que terminou com a namorada porque queria descobrir o que era beijar um travesti. Discuti politica e conheci um empresário que me deu um cargo de confiança (acho que foi porque devolvi o cartão de crédito dele sem roubar nada) então as coisas finalmente começaram a parecerem com a vida de um adulto. Não deixei a cafeteria, com o tempo consegui comprar ela. E foi eu conseguir me casar que tive que dar emprego para a garota que me largou porque eu não era uma companhia sexual tão apetitosa no fim das contas.
Ela estava linda, isso eu posso afirmar. Formou-se em administração e pediu para ser minha gerente, nos víamos o tempo todo, mas eu não tinha mais coragem de tocar em uma garota, comecei a ter preferência por mulheres. Isso deve ter afetado o orgulho dela. Rosangela, minha esposa, tinha pena da garota, fazia piadas sobre adotarmos ela. De certa maneira fizemos isso, emprestávamos alguns livros, a deixávamos dormir no sofá. Ela fugiu para São Paulo um dia e nunca deu mais noticias, sabíamos que tinha algum dinheiro guardado, afinal não tinha muitas despesas. A única coisa que levou foi o meu caderno sobre ela. Não sei, gosto de pensar que a moça que adotei me adotou como amor da vida dela. 

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