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Left the kids alone.

 Acho que faz parte perder a noção do tempo. Entendam, quando se está trancado na porcaria de uma jaula onde realmente decidem deixar comida ou bebida somente quando você dorme para te foderem ainda mais, a loucura acaba virando uma realidade aceitável. Na hora do "interrogatório" como eles chamavam (apesar de ninguém perguntar porra nenhuma) um teve a coragem de me olhar nos olhos, mas foi só pra falar:
 - Achamos que você tinha morrido, dormiu por umas trinta horas seguidas. - Trinta horas que pareceram trinta minutos. Isto posto e ele joga o punho dele contra meu maxilar. Não existe aquela porcaria de "minha vida passou toda pelos meus olhos" ou "pareceu que foi o momento mais longo da minha vida", não sei se é porque eu sabia que eles não iam me matar (tira todo o propósito de manter alguém preso) ou se porque eu estava impressionado com a facilidade em que conseguiram me arrancar dois dentes. Eu podia desmaiar, seria mais fácil. Mas sal me era enfiado a goela. Ou ração de gato. A parte triste era que eu não era um civil. Eles sabiam disso, não era um chute no escuro. Mas eu menti. Durante a primeira semana inteira, não me arrancaram a merda de um grito, mas aos poucos trouxeram a artilharia pesada. A loucura fazia parte de tudo aquilo.
 Um dia me trouxeram uma mulher. Eu não conhecia ela, mas ela era comunista. Dava pra ver que tinha apanhado demais. Eles tratavam diferente quem eles não tinham prova, pode-se chamar de um resquício de humanidade talvez.
 - Qual seu nome? - Ela me pergunta, com a boca inchada. Ela era bonita, deve ter sido. Tava muito judiada.
 - Marcos?
 - Não se lembra.
 - Lembro, só não sei se posso te falar.
 Ela riu.
 - É são pelo menos. Quase. - Pega o meu rosto e dá uma olhada. - Sabe porque eu to aqui? Se lembra?
 Grunhi. Era um sim e um não.
 - Vai fazer?
 - Se conseguir.
 - Brigada. - Ela foge.
 E quando acordo mais uma vez, faço o que tive que fazer. E lá está ela, nua e machucada. Sangrava algo que eu sabia que não era menstruação. Ela estava firme, nunca vi. Cabeça erguida e lábio inchado. Ela fechava os olhos e eu chorava. Tinha dormido doze vezes, passado pelo diabo. Mas nada assim. Marcas de ferro de passar roupa e uma unha arrancada.
 - O quê você fez? - Sussurrei, engasgando.
 - Sou professora.

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