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A Prostituta de todos os contos.

 - A puta mais barata do mundo - Ela começa a narrar - Não se encontra em esquinas ou botecos, muito menos em boates de striptease. Vive ao teu lado, te conhece e é tua amiga. A garota que sempre sorriu para os feios nas festas, aquece os isolados e deita-se com os deplorados. Nada a restringe, tudo faz; nada a impede. Os elogios suspirados e um café após a folia são o pagamento para a moça que tanto é xingada. Mal-falada a coitada, nunca recebeu flores e por todos os (vários) garotos morreu de amores. Chorou sozinha por anos, lamentou-se iludida com seus enganos. Todos sabemos que a puta mais barata do mundo é a adolescente que desprezamos. 
 Ela se senta do lado de Moreno, que a encara com a expressão de um suspiro e suspira.
 - Bonito. Poesia em forma de prosa ou prosa em métrica de poeminha?
 - Rimas. Apenas isso.
 Com um sorriso tímido pintado de laranja vindo de brinde, o moço recebe um portfólio azul com "Meus menores segredos" escrito à caneta preta. Caligrafia feia, como sempre. Ele apenas o joga para o lado com certo desinteresse e beija os lábios do qual o sorriso veio. Um beijo gostoso que disfarça a decepção dela com o desinteresse dele. Os lábios deles se exploram por um certo tempo. Sentados na praça oposta ao cemitério, o sundae derretia enquanto os skatistas (lê-se esqueitistas) passavam por eles. Vários encaravam-na, não que ele percebesse ou demonstrasse isso, como se ele via não demonstrava não vale a pena comentar a verdade. 
 - Era uma vez - Ele começa, com ela deitando em seu colo - um escritor que não sabia sobre o quê escrever. Precisava do dinheiro, então fazia continhos infantis, fez certo sucesso até. Ele sabia que tinha talento, sabia que sabia escrever, só não sabia sobre o quê. Todo dia mandava alguma coisa pro jornal, pagava seu apartamento em Ipanema com isso. Mas no meio tempo de tudo isso tinha um romance que estava sendo construído, fazia quatro anos que nesse livro trabalhava, no quinto decidiu publicá-lo. O jornal que sempre o publicava decidiu negá-lo, "não é o tipo de literatura deles" ele pensou.  A revista de sua irmã também negou. Três meses de recusa e ele se mata. "Não posso viver nesse mundo tão ignorante à beleza da literatura", deixa escrito junto com a orelha cortada, o coitado queria ser Van Gogh. Só não sabia o tolo que a escrita do escritor era pobre. 
 - Por que escreve tanto sobre escritores? - Ela abre a boca, pedindo mais sorvete.
 - Talvez porque eu seja um. Se ninguém me elogia, eu tenho que fazer isso não é?
 - Nesse texto "você" escreve mal. 
 - Um elogio à minha loucura.
 Ele não pergunta o porquê dela escrever sobre prostitutas, melhor assim talvez. Mas não é muito melhor o fato de ele não se importar tanto assim. Como toda boa garota nunca comentou, se ele soubesse de tudo talvez fosse mais ciumento, quem sabe? Mas deixaremos assim.
 O sol vai embora e eles vão junto, só que separados. Ele indo para casa coloca os fones de ouvido e o crepúsculo se pinta de uma maneira divina com Arctic Monkeys e chicletes de canela. Comprou dez deles, cada um por dez centavos. O perfume do cigarro de cereja dela no blazer surrado nele, era tudo uma fotografia de filme cult. Só pensava nas roupas dela, como todas as vezes que saiam de noite, sempre saia curta e uma meia calça bonita. Cabelos volumosos e lábios pintados, uns chamariam de vulgar, outros (vários) de sexy, para ele ela era os dois. Chegou logo em casa, morava com teu pai perto do largo da ordem. Ele era militar, Coronel, mas era liberal, o nome do filho era Moreno por causa do amante da mãe do mesmo. Almoçavam juntos todos os dias, ás vezes Lorena se juntava à eles, outras algum colega do pai. Como já era hora do jantar, Coronel Barta já devia estar no bar. Moreno Barta ia tomar um banho, se masturbar e dormir. Ele pensou em Lorena, não só no momento de auto satisfação, mas também ficou curioso com o quê ela fazia de noite. Cogitou se ela mesma não era a prostituta de suas histórias, faria sentido, afinal se ele escrevia sobre si, por que não ela sobre si mesma? Mas decidiu que não, afinal, ela tinha dinheiro. 
 Como qualquer um que já chegou à esse ponto dessa narrativa já deve ter adivinhado, a nossa protagonista bonita era de fato uma cortesã, como ela chamava à si mesma. Cento e cinquenta a transa. O quarto de hotel que valia cinquenta reais, o cliente que pagava. Era pra ela cobrar apenas cem reais, mas como era bonita e limpinha, podia dar-se ao luxo de mais. Sorria para todos, sempre com o batom limpo e os cabelos penteados, era linda, linda, linda. Claro que chorava sozinha, era parte do currículo. Com a aurora, ela se trocava para ir pro colégio. Mas antes passava na casa de um colega que à descobriu. Transa com ele para não ser dedurada. Sorte que ele morava do lado de um sebo. Gastava o dinheiro da noite com um cappuccino, um croissant de chocolate e um livro ou outro. Chorava para seu Gilberto, que sabia da sua vida. Sabia do Moreno que a esnobava, do menino que a chantageava e do vício em sexo que a carregava. Era a projeção de todos os clichês só que com um sorvete de maracujá sempre a mão. Amava a fruta, fazia tudo dela. Cheesecake, suco, bolo. Quem sabe assim se tranquilizava? Gilberto, da única vez que ousou se deitar com o "anjo do largo" como ele a chamava, se apaixonou pelo sabor cítrico com lembrança de preguiça da garotinha. Ela contava os seus contos para ele, ele dizia que iria acabar publicando ela. Ela dizia que não, nunca aceitaria esse tipo de favor. E passava entre as cinco da manhã e as seis deitada na rede com ele, liam livros juntos. Ela sempre se pintava como o personagem principal deles. E durante a noite, para dezenas de homens ela sabia que era. E durante o dia, para apenas um garoto, sabia que não.

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