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Sob a poeira de estantes amontoadas

 Um velho chamado Alberto tinha um sebo. Ele era analfabeto. Era um dos sebos mais frequentados da cidade. Principalmente por estudantes. Tinha todos os exemplares de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado. Alberto, o velho era a pessoa mais adorada da hierarquia cultural da cidade que não podia pagar mais de quinze reais por livro. Com exceção de umas poucas pessoas. E uma dessas pessoas que eram exceções, quem mais chamava a atenção do dono da loja. Uma mulher em seus quarenta anos, todos os dias, pegava um livro, sentava e o lia. E após terminar o livro, o comprava. E sempre que comprava um livro, levava um LP. Um dia levou o The Wall e O Continente volume 1. Outro dia levou Like A Rolling Stone e Morro dos Ventos Uivantes. E teve uma vez que levou LongPlay e Senhor dos Anéis. Algumas vezes ela demorava mais de uma semana para ler um livro. Mas não comprava nada até terminá-lo.
 Era muito simpática. Sempre conversavam sobre livros e música. E ela sempre lia livros para o dono do sebo. Qualquer livro que ela lia, ele sabia a história. Gaguejava de vez em quando, mas sempre terminava os livros que começava a ler para aquele idoso. 
 Meia volta ela comprava um café para ele, quando a loja estava cheia e ele não podia sair. Alberto, ou "Beto Velho", como chamavam os frequentadores do sebo, nem a perguntava o porquê de comprar livros de segunda, terceira mão. Sebos tinham uma magia. Livros sujos e escritos, eram tão acolhedores quando o abraço de vó. Aquela aparência velha, vivida. A sensação de que foram cuidados. E de que continuarão sendo. Era uma característica em comum de todos os que frequentavam sebos, independentemente da classe social. 
 Porém era aí que se enganava, o Velho Beto. A única coisa que fazia que Ivone sempre fosse lá, era não os livros. Isso ela conseguia em outros lugares. Não era a poeira das estantes do sebo. Mas era sim o atendente. Aquele velhinho simpático, que sempre sorria. Era o que fazia diferença em ler os livros. Saber que alguém se importava que ela os lesse. 

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