Pular para o conteúdo principal

O fotógrafo boêmio e sua mãe.

 Saia de casa as seis da noite. Chegava as duas. Sempre com uma máquina na mão. Passava os dias enfornado no quarto revelando tais fotografias. Nunca ninguém as havia visto. A única coisa sobre seu filho que dona Clara sabia era que cada noite ele tinha uma tatuagem nova. Eram sempre pequenas. Noite passada fora o busto de Marilyn Monroe, na anterior uma rosa queimada. Todo sábado de tarde eles saiam e tomavam cerveja e conversavam. Ele respondia tudo o que ela perguntava. E ela fazia o mesmo. Riam, conversavam, se divertiam. 
 Uma noite que o filho saiu, Dona Clara não aguentou, e tentou abrir a porta, como já havia feito algumas vezes antes. Mas dessa vez, ela estava destrancada. 
 Entrou no quarto de luz avermelhada. Milhares de negativos de fotografias, inúmeros álbuns, e uma cama. Na cama tinha uma garrafa de absinto e uma seringa. A mãe pôs-se a chorar. Recompôs-se. Não podia ser fraca quando seu filho precisava dela. 
 Pegou seu Honda Civic, foi até o largo, e andou de bar em bar. Passou pela rua XV, e nenhum sinal de seu filho. Resolveu então tentar ir ao restaurante que sempre iam. A sacada em que normalmente almoçavam, tinha uma aparência quase que sombria, com rosas e um vulto. Um personagem caído, bebericando cerveja.  
 A mulher sentou-se de frente para o rapaz. Ela vira que a câmera dele estava quebrada. 
 - O quê vai fazer agora? Continuar a se drogar? - Ela perguntou, seca e ríspida.
 - Então você finalmente conseguiu entrar no meu quarto? - Ele riu.
 Ela deu de ombros e esperou uma explicação. 
 - Não me drogo mãe. Aquelas seringas são para tratar as fotos. Prestou atenção em alguma?
 Ela nega com a cabeça. 
 Ele pega a mão dela, maternalmente. Como se ele fosse a mãe e ela o garoto. Vão até em casa, ele abre o quarto, pega um álbum, e leva para a sala. 
 Dona Clara chora com a beleza das fotografias. Há uma que é uma garota, sorrindo, vestindo um vestido de noiva, ela lhe é familiar. 
 - Seu casamento.
 Ela o abraça, e fica feliz. Sorri pelo fato de o filho fazer algo da vida que não seja beber. Fica feliz que ele é um artista. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Porque vamos terminar a garrafa - Pillow Talk.

 - E se terminarmos? Você sabe que tem chance, uns oitenta e oito por cento, eu diria. Digo, eu provavelmente não sou o grande amor da sua vida.  - Então porque estamos juntos? Se tem tanta chance de terminarmos.  - Porque, nesse momento, agora, você é o amor da minha vida. Prefiro viver o presente, não gosto de "e se".

A rosa desabrochada

Apesar de tudo. De todas as mudanças de todos os sutiãs queimados; as mulheres permanecem com a mesma função. Manter um lar. Sorrir quando tudo estiver caindo, engolir as lágrimas e sorrir. Oferecer os ombros para carregar o peso que os homens em toda sua masculinidade e orgulho, se recusam a admitir que não agüentam. Será assim até o fim dos tempos. Os homens lutarão, se armarão, porém as mulheres os manterão. Mesmo que não os homens, mesmo que amem outro, elas continuarão lá. Com ou sem roupas intimas.