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Estamos Todos Bem

 - O quê você quer? Dinheiro? 
 - Claro né, porque é só para isso que eu te procuro, não é?
 - Te conheço, você não aparece só para me visitar.
 - E nem você. Por que né, para que passar tempo com a filha? Relaxa pai, não preciso de dinheiro. Não sou o mesmo fardo que fui durante a minha infância inteira. Aprendi a me virar, não graças à você. 
 - Deu de drama? O quê você quer então? Pedir desculpas?
 - Eu tenho que pedir desculpas? Foi você quem me criou pensando que o que eu valia eram as minhas notas, que bem... Não importava o que eu fizesse se não era a primeira da turma. Cresci aprendendo que meu pai não cuidaria de mim. E sou eu quem tem que pedir desculpas? Muito justo isso. 
 - Quer que eu peça desculpas por você ter sido uma péssima filha? Por você não ter se esforçado em nada? Por ter corrido atrás de mim somente por dinheiro? 
 - Então tudo se resume a dinheiro, não é? É a mesma história se repetindo. A mesma coisa que aconteceu com a mamãe. Que pena. Onde ela está mesmo? Que se foda tudo isso, só vim avisar que bem... Estou voltando pra cidade, mas não me procure. Realmente não estou com mais vontade de olhar na sua cara.
 Ele ficou na linha enquanto o "tu tu tu tu tu tu" do telefone ocupava a sua cabeça. Engoliu as lágrimas de raiva, acendeu um cigarro e foi andar pelo centro da cidade. Puto da vida. Terminou o primeiro maço e se encontrou na Rua Riachuelo. Eram onze da noite. Entrou em uma boate qualquer, comprou uma dose de vodca, se sentou e esperou a dançarina aparecer, enquanto pensava na sua filha. Fechou os olhos e tentou relembrar-se do rosto dela. Aqueles olhos castanhos brilhantes, cabelos de mesma cor. Sem a metade dos dentes de leite. Um sorriso deslumbrante. 
 "Vamos colocar o dente embaixo do travesseiro para a fadinha vir?"
 "Mas pai... A fadinha não existe."
"Como assim?"
"Se eu fosse uma fada, eu não iria ficar colocando dinheiro no lugar dos dentes dos outros."
Desde pequena fora inteligente. Mas então algo mudou. Ela cresceu. Ele não era mais o herói dela, virou o antagonista. O opressor. E ela a rebelde inconsequente. 
 Abriu os olhos quando a música começou a tocar. Quase rugiu de raiva e tristeza ao ver, os mesmos olhos castanhos, semicerrados, cheios de maquiagem e localizados no corpo de uma prostituta. 

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